Para não esquecer...

06
jun
2023

MEMÓRIAS SOLTAS * XXVIII. Ator

Corriam os anos 80. Uns jovens tinham acabado o curso de cinema. Ganharam um prémio (mil contos?). Vieram por aí abaixo. Pararam em Tavira. O prémio obrigava-os a fazer um filme (curta, como é óbvio. Não poderia ser, com aquele orçamento, uma ópera chinesa). 

O argumento era simples. Três amigos desalvoraram de suas casas e queriam passar o ano em Espanha. Fui escolhido para entrar. Fazia de padrasto de um dos miúdos. Tinha de fazer que dormia (um esforço tremendo), levantar-me, ir à casa de banho e deparar com uma mensagem na testa, escrita, como despedida, pelo meu enteado.

A produção foi inexcedível. Aprontou duas ou três cervejas para o artista que, se não dormiu, esteve lá perto. Um trabalho insano e de grande esforço intelectual. Safei-me bem.

Ao depois havia que recuperar os moços que tinham sido apanhados na praia a quererem escapulir-se para Espanha. Aí acompanhei a mãe do petiz, fazia-me de desinteressado do que poderia acontecer ao moço. A coisa correu bem.

Brando telefonou-me, quando viu o filme, e disse-me, textualmente, “estiveste melhor do que eu com a Schneider no Último Tango. Em mim ninguém acreditou na cena da manteiga, mas tu estiveste soberbo a dormir. Congratulation, Carlos”.

O filme decorria no Natal. Na cena da praia contava a produção com alguns soldados da GNR, comandados pelo Capitão Ferro, comandante, ativos na busca, com cavalos e cães. Houve um pormenor que só se descobriu aquando da exibição. Sendo inverno, os garbosos guardas da GNR estavam de manga curta. As cenas foram filmadas de verão…

Eu, a fazer que dormia não significava que estivesse a representar, pois era uma atividade que me é natural. O Álvaro Regueira fazia de bandido. Também não se pode dizer que estivesse a representar…

O filme ganhou um prédio no festival de curtas de Vila do Conde. E ganhou por ser bom? Não. O júri frisou bem que o filme não era bom, mas o Cavaco era primeiro-ministro e a Zita, secretária de Estado para o audiovisual... Esta estava presente e, ao ver a Fernanda, exclamou “olha a Fernanda”. A única espectadora que conheceu um dos intervenientes. A hoje presidente da Câmara de Almada foi quem anunciou a nulidade do filme.

A coisa compôs-se e do filme e deste ator ninguém mais falou. O realizador, acho que há pessoas que o conhecem, chama-se Marco Martins. Nunca vi o filme. 

escrito por Carlos M. E. Lopes

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