Para não esquecer...

PORQUE HOJE É DOMINGO... * 6


O usufruto dos prazeres da água [dos banhos romanos] chegou a converter-se numa marca de identidade da cultura pagã e da civilização de Roma, até ao ponto de os cristãos mais estritos abominarem as termas como sintoma de volúpia, de sensualidade e de corrupção espiritual. 

Ainda se conserva a carta de um monge camponês do século V que afirmava: «Não nos queremos lavar nos banhos.» Os homens santos entenderam o fedor como uma medida de devoção ascética.Recusavam a limpeza para expressarem a sua oposição ao estilo de vida dos romanos.

Simeão, o Estilita, negava-se a deixar que a água lhe tocasse e «o fedor era tão potente e hediondo que era impossível subir nem que fosse até meio das escadas sem incómodo; alguns dos discípulos que se obrigavam a chegar até ele só podiam subir depois de terem untado no nariz incenso e unguentos fragrantes». Após passar dois anos numa gruta, São Teodoro de Estudita surgiu «com um fedor tal que ninguém suportava estar perto dele». Clemente de Alexandria escreveu que o bom gnóstico cristão não quer cheirar bem: «Repudia os prazeres espetaculares e os restantes requintes do luxo, como os perfumes que agradam o sentido do olfato ou as atrações dos diversos vinhos que seduzem o paladar ou as grinaldas fragrantes feitas com diferentes flores que enfraquecem a alma através dos sentidos.» 

Naquela altura, o «cheiro de santidade» era fétido.

[Irene Vallejo. O Infinito num junco]

escrito por ai.valhamedeus

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