Para não esquecer...

REENCONTROS

Andámos no Liceu de Faro juntos. Éramos da mesma turma. Tentámos lançar um
jornal no Liceu. Havia um jornal, A CENTELHA, que o professor Calçada (o
melhor professor que tive) queria substituir por OSSÓNOBA. Na sugestão de
nomes surgiram nomes muito originais como cágado (abstenho-me de dizer o
nome do sugerente...). Do grupo faziam parte esse meu colega, o Passarinho, o Zé
Cabecinha, eu, entre outros. Eu inscrevi-me na crítica de cinema na mira de umas
entradas de borla... o que não veio a acontecer... para bem da crítica de cinema.
Estou a falar de 1971?

Viemo-nos a reencontrar nos anos 90. Ambos juristas, ele um magistrado de
prestígio, eu um advogado de província e provinciano. Há anos que não
estávamos juntos. Ele numa instância jurídica europeia, eu às voltas do direito
mais comezinho.

Jantámos na terça-feira. Claro, centrámos as recordações nos anos de brasa do
PREC (o período mais louco e fascinante da nossa história, pelo menos a recente),
das RGAs, do Barroso, João Isidro Arnaldo Matos, etc. Ele do PCP eu do MRPP.

Lembrámo-nos de todos os pormenores, episódios, histórias. Lembrámos a
maçonaria, os anarquistas. Os livros que lemos. A vantagem de sermos velhos é
recordarmos, com nitidez, factos ocorridos há cinquenta anos.

O jantar foi na minha casa. Às tantas, notei que as mãos lhe tremiam -- "parkinson",
disse ele. Achei-o velho e cansado. Foi umas cinco vezes à casa de banho. Pensei
"ainda não estou assim", sem consciência da falta desta. Desde março ando com
uma ferida no pé (pé diabético, dizem os médicos), um tumor nos intestinos, etc e
tal.

Ele deve ter um ano menos. Achei-o alquebrado. Por falta de espelho, achei-me
melhor que ele.

Despedimo-nos combinando não nos perdermos de vista.

A vantagem da velhice é podermos recordar a juventude como um filme que
acabamos de ver. A desvantagem é que não me lembro o que jantámos.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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