Para não esquecer...

Encontro no Vaticano

No passado dia 2 de Janeiro, longe dos holofotes, Bento XVI foi recebido na Embaixada portuguesa em Roma por Paulus Ratzinger, eminente marxólogo português em visita à cidade eterna.

A visita, simbólica, serviu para o Papa conhecer o seu homólogo na política que raramente abandona a sua datcha em Marim, onde passa a maior parte do tempo em profundos estudos e em frenéticos escritos. Também permitiu ao Papa convidar a eminente personagem a visitá-lo no Vaticano, onde, sob rigorosas medidas de segurança, decorreu um vivo e elucidativo debate de ideias que, na medida do possível, iremos transcrever.

Bento XVI, à entrada da Capela Sistina, cumprimentou a personagem e, com aquele ar de superior inteligência, atirou ao seu homólogo “é uma honra recebê-lo nesta modesta casa, lugar de todos e para todos”. Sorrindo, Ratzinger não resistiu e atirou “para alguns, para alguns, Sua Santidade. Muita exploração, muita miséria, muita opressão, nos observam”. “Não sabia que adaptava Napoleão.....”, disse o Papa. “Um revolucionário no seu tempo... um revolucionário, ainda que burguês. Nem Beethoven o aguentou...”.

Sentaram-se e, mediados por intérpretes, falaram acaloradamente sobre a História e sobre a situação no mundo.

Acordaram na condenação do Nazismo e o Santo Padre quis introduzir uma nota sobre a União Soviética e a China. Aí, fiel aos princípios, Ratzinger opôs-se e aproveitou para demarcar posições. “Santo Padre, o camarada Estaline é uma pedra de toque que distingue um revolucionário de um contra-revolucionário. É Estaline que permite distinguir a Revolução da contra-revolução. Todo o oportunista e burguês treme ao ouvir o Seu nome. O camarada Estaline desenvolveu a União Soviética, transformou um país rural num país industrial que, em certos planos quinquenais, ultrapassou a América. Morreram milhões? Estamos a falar de História, Sua Santidade. Milhões na História, é uma estatística. Além disso, uma revolução, como diz o camarada Mao, não é um convite para jantar”.
“Quanto à China, Colega, há aí uma putéfia (perdoe a expressão Sua Santidade, mas V. Exas com a Madalena sabem do que eu falo) que anda a denegrir a Revolução Chinesa, depois de ter nela participado e vivido. Encontra-se agora na Europa, fala mal da China. Quando era jovem guarda Vermelha do Camarada Mao, falava mal da Europa. Fala mal de onde não está. Uma vendida, que não nos merece crédito”.

A reunião, com grande afabilidade de parte a parte, decorreu por duas horas. Paulus Ratzinger ainda pediu autorização para fazer perguntas a um guarda suiço, saber da sua organização sindical, da liberdade religiosa, da sua liberdade sexual. Saiu satisfeito. O Papa, também.

Paulus Ratzinger visitou a Via Venetto e o Coliseu Romano, onde uma furtiva lágrima lhe caiu ao contemplar a arena onde foram devorados tantos elementos do povo -- para deleite do povo, é certo.

Ao Palácio do Quirinal foi às três horas visitar o presidente. À noite, na Universidade de Roma, proferiu uma conferência subordinada ao tema “ A revolução vai avançar em TGV?”. Encontrou-se com António Negri, tendo feito sentir a este académico que as Brigadas Vermelhas tinham sido uma manifestação pequeno-burguesa inconsequente. Blanquista.

António Tabucci está a traduzir as suas obras (15 volumes em papel bíblia) para a Feltrinelli.

Recusou receber Berlusconi.

Para um jornalista português radicado em Roma desde 1976, uma visita assim, só a de Sartre a Portugal depois do 25 de Abril.

escrito por Carlos M. E. Lopes

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Magnífico, para quem conhece o estilo da personagem.
Nem o Andreas Camilieri escreve com tanta graça. E que tal um romance policial, na China, com a figura?