Foi ontem apresentado ao público, na Câmara Municipal de Olhão, o livro A Cidade e o Mar na Poesia do Algarve, com recolha, selecção e estudo prévio de Fernando Cabrita. O organizador começa por perguntar
“... Mas de onde decorre o que faz de nós homens, de onde vem a essência essa que nos transmuda de criaturas só vivas em também criaturas poéticas? De um sentimento? De uma paisagem? De um som que se ceva na alma e na memória? Dessa música silenciosa de que falava S. Juan de la Cruz e que só nós, de entre todos os seres da criação, parecemos saber escutar?”O estudo prévio é um maravilhoso poema de um grande poeta. A antologia não inclui só poetas algarvios, mas alguns que escreveram sobre o Algarve e/ou que aqui vivem. De Ibne Darrague Alcacetali (958 a 1030) a Fernando Esteves Pinto (1961), passando por Camões, Júdice, Gastão Cruz, Zeca Afonso, Carlos Brito (esse mesmo, o do PCP), Ramos Rosa, António Ventura, Fernando Cabrita, Fátima Murta. Enfim, são 42 os poetas desta antologia.
Já neste Verão a Dom Quixote tinha publicado o Algarve – todo o Mar, colectânea organizada por Adosinda Providência Torgal e Madalena Torgal Ferreira. E já há tempos, em 2003, Urbano Tavares Rodrigues tinha feito publicar pela ASA O Algarve em Poemas.
Do organizador, Fernando Cabrita, um pouco da sua
Longínqua a memória das cidadesEste foi o último lançamento de Faro Capital Nacional da Cultura, que vê o seu trabalho terminado. Qualquer que seja o balanço que se faça, um mérito não se pode tirar ao Prof. Doutor Rosa Mendes e à sua equipa: não confinou a sua actividade à cidade de Faro, alargando a Capital a toda a região, registando-se actividades em quase todos os dezasseis concelhos do Algarve, legando-nos dezena e meia de publicações de qualidade e eventos em locais (como Querença) que a eles dificilmente teriam acesso. É pouco? Talvez. Mas é mais do que alguma vez se fez no Algarve. E pode-se dizer que a qualidade esteve sempre presente nesses eventos.
E no fumo ainda o dia alvorece
Longo e admirável no silêncio do mar.
Às primeiras luzes, os arcos do verão deslizam a manhã
Por todo o arquipélago aos poucos revelada.
Palavras, sussurros, vozes
Tudo então a nascente sol se confunde em ilhas
E ilhas,
E ilhas,
Algo como se a têmpera vasta dos dias se suspendesse
em mim
Por uma larga hora abandonada e fria.
No silêncio revejo então amigos
Que o tempo afastou com a sua implacável mão.
Vejo-os, árduos, com o nítido sentido da ausência,
Paixões momentos,
Minutos que já só como fantasmas ainda se agitam
Em puro e sacrário na lembrança
Ou no gesto andaluz ou árabe em que se move o mar.
Rememoro os promontórios
As tardes, a noite catedral das cidades
Em músicas e torres, em segredos,
Em conversas e beijos na sombra das casa.
Os que foram felizes e morreram,
Os que deixaram eterno um sorriso nas esplanadas,
Os que perdidos vão por largas ruas e casa e amantes
E histórias e desilusões,
Os que nunca cresceram,
Os que escrevem cartas distantes recordando as fogueiras,
Os que já vivos foram como eram quando o eram
Os que abandonadas ilhas e terras vão no outono
Dos palácios para jardins de cinza,
Os que pesados dormem o esquecido sono das eras,
Todos e tudo relembro
No fumo fresco dos navios que se encostam à distância
Quando a luz cresce por folhas e falésias
.../...
escrito por Carlos M. E. Lopes
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já agora, Carlos Lopes, como chegar ao conjunto de publicações mencionado, nomeadamente à última que refere?
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