Não há dia dos namorados que me não lembre uma das mais belas canções de amor: a ária Celeste Aida, da ópera Aida de Giuseppe Verdi (1813-1901).
A monumental ópera, encomendada pelo governo do Egipto para assinalar a inauguração do Canal de Suez, narra a história de amor entre Aida
(filha do rei da Etiópia Amonasro, Aida foi capturada numa das guerras e feita escrava de Amneris, filha do rei do Egipto)e Radamès, guerreiro escolhido pelos sacerdotes para liderar o exército egípcio. Um amor contrariado pela princesa Amneris, que se apaixonara por Radamès. A história tem final trágico para os dois amantes – mas isso é outra estória.
A “Celeste Aida”, considerada por muitos como a melhor ária da ópera, canta-a Radamès logo no 1º acto, ao pensar na jovem escrava objecto da sua paixão. E canta assim, com uma doçura celestial:
Celeste Aida,
forma divina,
Mística grinalda
de luz e flores.
Do meu pensamento
és a Rainha,
Da minha vida
és o esplendor.
O teu belo céu
queria dar-te,
A doce brisa
do teu solo pátrio!
Uma coroa real
colocar-te nos cabelos,
Erguer-te um trono
perto do sol.
O amor de Radamès é bem diferente do de um outro personagem de uma outra ópera de um outro compositor: Cherubino, de “As Bodas de Fígaro” de Wolfgang A. Mozart (1756-1791).
A intriga de “As Bodas de Fígaro” apresenta-nos
(de um modo menos trágico do que o fez Verdi, mas não menos emocionante — a obra, além do mais, tem para mim um encanto especial: foi com ela que… comecei a gostar de ópera)os amores de Fígaro e Susanna. Agora, o contratempo dos dois amantes é a lascívia adúltera do Conde de Almaviva, que pretende recuperar com Susanna, criada da Condessa, o usufruto do direito de pernada
(o direito de pernada foi uma tradição, que teve o seu auge nos tempos medievais, segundo a qual o chefe de um clã podia passar a primeira noite com qualquer mulher que se casasse dentro da sua propriedade — tinha o direito sobre a virgindade, virgindade havendo, da noiva. Uma espécie de… padrinho à espanhola)ao qual oficialmente tinha renunciado. As várias cenas apresentam-nos um movimento perpétuo de intrigas desenvolvidas por personagens com os caracteres mais diversos e imprevisíveis. Ao modo de Mozart, digamos.
Por entre os vários personagens, perpassa Cherubino, um pajem da doce e melancólica Condessa. Digamos… um adolescente de uma beleza ingénua, entre o efebo e a donzela. Nas palavras de Jorge Vaz de Carvalho, um “eros em constante alvoroço, incarnação do próprio desejo amoroso, semi-consciente e febril, dorido e vivaz, disperso, desordenado e sonhador”.As suas paixões são juvenis
(feitas também de incertezas: na ária “Voi, che sapete”, seguramente uma das mais belas melodias da obra, canta “Aquilo que eu sinto, vos digo / é para mim novo, / não o compreendo”, um sentimento “que ora é deleite / ora é martírio”)precipitadas, “abrangentes”
(o Conde despediu-o por o ter surpreendido com a Barbarina, a filha do jardineiro; além disso manifesta-se apaixonado pela Condessa; enamora-se de todas as mulheres que vê...).E canta-as assim:
Já não sei quem sou,
que faço, sou
ora ardente, ora de gelo,
toda a mulher me faz
palpitar.
À simples palavra amor,
de deleite se me agita
e altera o peito
e me força a falar de amor,
um desejo, um desejo
que não posso explicar.
Falo de amor acordado,
falo de amor sonhando,
à água, à sombra,
às flores, às ervas, às fontes,
aos ventos que o som
de vários acentos
levam consigo.
E se não tenho quem me ouça,
falo de amor comigo próprio,
comigo, falo de amor
comigo próprio!
...lindo, em qualquer parte do Mundo! Mas o mais belo poema de amor é provavelmente “O soneto da fidelidade” do grande poeta brasileiro Vinicius de Moraes. Sem comentários, que a poesia dispensa-os:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
O “amor a/de Deus” tem inspirado poemas de antologia. Poderia servir-nos de exemplo O “Cântico dos Cânticos”, o poema hebraico do Antigo Testamento que é a celebração (por vezes deliciosamente erótica) do amor matrimonial, apontando para o amor infinito de Deus. Mas encontramos outros exemplos na maioria dos místicos. Colhamos dois: São João da Cruz (1542-1591) e Santa Teresa de Ávila (1515-1582). Ambos espanhóis (nascidos na mesma cidade de Ávila), ambos reformadores da Ordem do Carmelo, ambos com um poema que exprime a dor provocada pela ausência do amado (Deus) nos mesmos 3 versos constituídos por um jogo de palavras (aparentemente) contraditórias concluído no verso “morro porque não morro”. A confirmar que se morre de amor:
(por razões de espaço, opto pela versão de Santa Teresa, que é mais curta. Transcrevo-a em castelhano)Vivo sin vivir en mí,
y de tal manera espero,
que muero porque no muero.
Vivo ya fuera de mí
después que muero de amor;
porque vivo en el Señor,
que me quiso para sí;
cuando el corazón le di
puse en él este letrero:
que muero porque no muero.
Esta divina prisión
del amor con que yo vivo
ha hecho a Dios mi cautivo,
y libre mi corazón;
y causa en mí tal pasión
ver a Dios mi prisionero,
que muero porque no muero.
Ay, qué larga es esta vida!
¡Qué duros estos destierros,
esta cárcel, estos hierros
en que el alma está metida!
Sólo esperar la salida
me causa dolor tan fiero,
que muero porque no muero.
Ay, qué vida tan amarga
do no se goza el Señor!
Porque si es dulce el amor,
no lo es la esperanza larga.
Quíteme Dios esta carga,
más pesada que el acero,
que muero porque no muero.
Sólo con la confianza
vivo de que he de morir,
porque muriendo, el vivir
me asegura mi esperanza.
Muerte do el vivir se alcanza,
no te tardes, que te espero,
que muero porque no muero.
Mira que el amor es fuerte,
vida, no me seas molesta;
mira que sólo te resta,
para ganarte, perderte.
Venga ya la dulce muerte,
el morir venga ligero,
que muero porque no muero.
Aquella vida de arriba
es la vida verdadera;
hasta que esta vida muera,
no se goza estando viva.
Muerte, no me seas esquiva;
viva muriendo primero,
que muero porque no muero.
Vida, ¿qué puedo yo darle
a mi Dios, que vive en mí,
si no es el perderte a ti
para mejor a Él gozarle?
Quiero muriendo alcanzarle,
pues tanto a mi Amado quiero,
que muero porque no muero.
escrito por ai.valhamedeus
2 comentário(s). Ler/reagir:
lido o texto, o cansaço impede-nos o namoro. que grande peça!
bravo
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