Para não esquecer...

A LEI-QUADRO DA POLÍTICA CRIMINAL

Saiu a Lei Quadro da Política Criminal (23 de Maio). Não se notou qualquer discussão.

Transcrevo os artigos 1º e 2º:

Artigo 1.º
Objecto
A condução da política criminal compreende, para efeitos da presente lei, a definição de objectivos, prioridades e orientações em matéria de prevenção da criminalidade, investigação criminal, acção penal e execução de penas e medidas de segurança.
Artigo 2.º
Limites
A definição de objectivos, prioridades e orientações, nos termos da presente lei, não pode:
a) Prejudicar o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público;
b) Conter directivas, instruções ou ordens sobre processos determinados;
c) Isentar de procedimento qualquer crime.
Sem qualquer preocupação de rigor científico, parece haver contradição entre a enunciação geral do artº 1º e a alínea a)
[pelo menos]
do artº 2º.

O princípio da legalidade diz que os crimes devem levar a acusação, sem curar de saber se tal acusação é “oportuna” ou não. Por exemplo, se há bicha
[desculpem os brasileiros, mas não digo fila]
para entregar o euromilhões, o funcionário deve receber pela ordem em que as pessoas estão na bicha. Parece que aqui não há dúvidas de que estamos perante uma situação justa. Mas, pelo artigo 1º, pode-se estipular que as prenhas e os deficientes, à falta de guichets específicos, têm prioridade. Parece que estamos também face a uma decisão justa. Aqui estaríamos no previsto no artº 1º.

Mas põe-se um problema. Se se vier a atribuir ao governo legitimidade para definir tais prioridades, o que impedirá
[com a falta de vergonha própria dos governos]
o governo de dizer ao Ministério Público: "agora não é prioritário o combate à corrupção"?

É óbvio
[aqui haverá alguma razão, mas penso que não são essas as preocupações do governo]
que não há meios para acudir a todos os crimes e há que seleccioná-los. Mas não poderá isto ser perigoso?

escrito por Carlos M. E. Lopes

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