O Público traz hoje, pelo menos, 3 artigos de inegável qualidade. Muito ligáveis entre si. Ligá-los aqui, mesmo com cortes, resulta num texto extenso. Mas, inegavelmente, com interesse. Arquivamo-los, pois.
- Um de Cintra Torres -- o segundo sobre técnicas de propaganda:
No artigo anterior referi três técnicas da nova propaganda: agir através de uma central; encharcamento dos media com "informações" governamentais controlando a agenda(sendo hoje a Lusa fundamental nesta matéria);
e abafamento cirúrgico de acções contrárias ao governo "largando" manchetes que desviem a atenção.
Quarta técnica? Centralizar a propaganda no governo e não no partido governamental. Isso "legitima" a propaganda, que assim se confunde com acção política do Estado; além disso, parece-se mais com informação; e cala a oposição, que se limita a comparar o tempo que cada partido aparece na TV pública. Nessa matéria a RTP porta-se bem: os minutos dados a cada partido estão contabilizados. Mas isso é irrelevante: o partido do poder não precisa de mais tempo que os outros porque, concentrando-se a propaganda no governo, há rédea livre para este dominar os noticiários.
O canal de TV do Estado criou, e bem, espaços de debate com representantes de todos os partidos. Mas, se tal facto alarga a democraticidade do espaço público, o reverso da medalha é perverso: o debate fica-se pela partidocracia e, pior, ao ser-lhes dado espaço em programas, os partidos da oposição, do CDS ao BE, calam-se por completo a respeito da propaganda e do controle governamental da informação. Comprada a oposição com a esmola, não só o cidadão é vítima da propaganda como fica desprotegido, pois a oposição não cumpre a sua função ao juntar-se em cartel de silêncio sobre estes temas fulcrais da vida democrática. Sublinho: jornalistas e comentadores independentes, blogues e cidadãos que refilam para o Provedor ou outros media têm feito muito mais contra o controle político da informação do que os partidos da oposição de esquerda e direita!
Quinta técnica da propaganda, comum a vários governos dos últimos anos: usar maliciosamente os media para testar medidas que o governo pretende tomar ou para influenciar o andamento da vida política com mentiras. Entramos aqui no domínio pardo do eticamente condenável ou até do ilícito. Faz-se assim: uma "fonte anónima", que não é mais que um membro do governo ou seu assessor, passa certa "informação" para um media. A notícia sai, dado que a fonte é "amiga" ou é credível para o jornalista. Mas não é: o governo só pretende testar a opinião pública e os lóbis ou forçar certa acção de outrem. Depois, no próprio dia ou no dia seguinte, o governo, através agora de um porta-voz autorizado, "desmente" a notícia que o próprio governo tinha fornecido. Embora os leitores não o entendam, é o governo que se desmente a si mesmo; a credibilidade do media é posta em causa mas o governo sai sem uma beliscadura.
De outras vezes, o governo utiliza a boa-fé dos jornalistas, ou amigos nas redacções, para influenciar maquiavelicamente os acontecimentos. Por exemplo, o Diário de Notícias noticiava a 16.09 num texto sem fontes que "O substituto do polémico José Souto Moura poderá vir a ser Henriques Gaspar". A notícia foi vista como tendo o objectivo de queimar a então já provável nomeação de Pinto Monteiro, cujo nome o executivo, aparentemente, se arrependera de indicar. Poucas horas depois, o ministro da Presidência, P. Silva Pereira, negou a notícia e considerou "especulações jornalísticas" a manchete do DN. O blogue Bloguítica perguntou mais de dez vezes ao DN porque não explicava a origem da notícia falsa. Em vão.
Outro caso. Uma fonte anónima dizia, durante a época de incêndios, que o ministro António Costa estava desagradado com os colegas das pastas do Ambiente e Agricultura por não darem a cara. A notícia foi desmentida por fonte autorizada no mesmo dia. O jornal saiu desacreditado, o ministro conseguiu o que queria.
Ainda outro caso. Como referiu José Pacheco Pereira, no Prós e Contras de 16.10, "assistiu-se à denúncia em directo de uma manipulação jornalística feita a partir do gabinete do ministro António Costa" - enganando o Correio da Manhã com uma notícia falsa para logo ser desmentida - o que fez Costa "fugir para outro assunto muito incomodado. Assim se fazem as coisas" (Sábado, 19.10). No mesmo programa, Fernando Ruas citou um jornalista que lhe disse para fazer como o governo, "que dá a informação e depois comenta".
Uma sexta técnica da propaganda, uma das mais importantes, é a censura. A palavra tem entre nós uma carga exageradíssima, porque se associa censura a fascismo. Ora ela não é exclusiva de regimes autoritários. Há formas de censura em democracia, nem todas ilegítimas (exemplo de censura legal: protecção das crianças). Já para controlar politicamente a informação a censura é das piores faltas de ética.
Há quem não conheça os bastidores ou prefira ser ingénuo, justificando os actos de censura por eventuais critérios de "subjectividade" editorial. Mas, nas redacções, nomeadamente na RTP e Lusa, os jornalistas sabem do que falo. Muitos sentem-se humilhados pelo controle político da informação. Alterar o alinhamento dum noticiário ou retirar dele notícias por motivos políticos é censura: por exemplo, fazer quase desaparecer os incêndios durante as férias do primeiro-ministro. Fazer alinhamentos, não segundo critérios editoriais razoáveis, mas por motivos políticos, de forma a diminuir a importância de certos temas, é censura. Aconteceu também durante os incêndios, mas estes dois processos ocorrem com enorme frequência.
A queda de popularidade do governo aumenta o seu stress e a pressão sobre as redacções. A nomeação do ex-SIC José Manuel Portugal para partir a espinha à independência do Jornal da Tarde, feito no Porto, e dar certas instruções ao Telejornal em Lisboa já se faz notar. Desde o meu artigo de 20 de Agosto sobre a enviesada cobertura dos incêndios pela RTP, tem crescido a atenção de cidadãos e espectadores pela censura exercida através do alinhamento dos noticiários. O programa de ontem do Provedor (transmitido depois de escrito este texto) resultou de 60 queixas. Eu tenho recebido diversas chamadas de atenção de leitores e de jornalistas para casos de notícias de telejornais da RTP, de alinhamentos, de mudanças de alinhamentos, etc., alguns dos quais inacreditáveis. Mas, felizmente, a sociedade civil está atenta e a agir, para vergonha dos partidos da oposição de esquerda e direita, que venderam o seu dever de oposição por um prato de lentilhas nos noticiários e programas de debate. - Notícias erráticas, de A. Barreto
Todos os dias nos chegam notícias de medidas inesperadas e intenções imprevisíveis do governo. De tudo um pouco e avulso: decisões fulgurantes, novos planos, reformas radicais, investimentos fabulosos, extinções e reorganizações de serviços. Já se percebeu que o governo montou uma agência ou rede capaz de manter o domínio da informação, aquilo que eles dizem a "agenda". Por culpa dessa mesma rede de propaganda ou graças ao contributo criativo dos jornalistas e das suas fontes, uma parte das notícias é errada, outra é só parcialmente verdade e outra é finalmente verdadeira. Desta última, ainda há a distinguir entre o que realmente se fará e o que é apenas desejo e poderá ser contrariado pela vida. Alguns grandes investimentos, por exemplo, eram verdade até chegarem aos jornais, mas deixaram de o ser poucas semanas depois. Aumentos de preços e tarifas também são exemplos desta espécie de verdades efémeras. O que não impede que a maior parte das escaramuças de Sócrates foram lançadas assim, repentinamente, num discurso. É esse o jeito deste especialista em emboscadas. A aspirina nos supermercados, o fim de algumas Scut, a redução das férias dos juízes e dos professores e o aumento de impostos dos deficientes das forças armadas são exemplos de "rumores" verdadeiros.
[...]
VEM ISTO A PROPÓSITO DE DUAS informações, ainda não confirmadas, recebidas nestas últimas semanas. Primeira: o ensino da filosofia no secundário vai ser considerado marginal, isto é, optativo, e o respectivo exame de 12º ano deixa de ser obrigatório, incluindo para os alunos que, na universidade, pretendam cursar ciências sociais, direito, história ou mesmo filosofia. Conclusão inevitável: nunca mais alguém se vai interessar pela filosofia e o seu ensino está condenado a curto prazo. Segunda: a ministra da Educação pretende que já no próximo ano os professores sejam obrigados a dar oito horas de aulas por dia. Eis duas notícias dadas pelos jornais que me deixaram perplexo. A ponto de não acreditar. São de uma tal ignorância e de tal modo insensatas que não podem ser verdade. Devem fazer parte das provocações dirigidas contra alguém, neste caso contra a ministra e o seu ministério.
NÃO QUERO ACREDITAR, MAS A verdade é que a morte da filosofia na escola tem fortes possibilidades de ser verdadeira. Nunca vi desmentido. Até já li artigos assinados por Nuno Crato e José Gil justamente indignados. Não consigo perceber o que leva o ministério a cometer um crime destes. Numa altura em que está na moda o "conhecimento transversal" e em que os manuais elogiam a "interdisciplinaridade" e a "multidisciplinaridade", a extinção da filosofia tem o odor da poupança e da facilidade. Ou então vem daqueles círculos que querem uma escola virada para o emprego, as técnicas, "a vida", dizem eles. A filosofia deve ser considerada inútil, difícil, traumatizante e eventualmente burguesa ou livresca. Também pode ser que a considerem perigosa, porque ajuda a pensar. Num tempo em que os conhecimentos explodem e se diversificam, nada mais essencial, nada mais útil do que uma disciplina que possa fazer sínteses, que ajude à formação de uma visão do mundo, que permita aprender como os homens pensam e que ajude a raciocinar. A filosofia é essa disciplina. É quando a escola se vira para as profissões e foge da cultura que mais se precisa da filosofia. Já o senhor marquês de Pombal dizia que era necessário "o estudo da filosofia e das artes, pois servem de base de todas as ciências"! Eu sei que a estupidez tem tradições e não deveria ficar surpreendido. Por razões semelhantes se foram retirando das escolas as artes plásticas, a história da ciência e da arte, o teatro e a música. A própria geografia foi atirada para uma antecâmara do lixo e não ficaria admirado que a história siga um dia o mesmo caminho. Mesmo assim, não quero acreditar na decisão do ministério. Deve haver engano.
COMO ENGANO DEVE HAVER NAS notícias que nos dizem que a ministra quer que os professores cumpram oito horas de aulas por dia. Oito vezes cinco dias, temos quarenta horas de aulas por semana. A que se devem acrescentar as horas de reunião de turma e de escola, as horas de recepção dos alunos e dos pais, as horas de revisão de testes e de exames, as horas de substituição de professores e as horas de acompanhamento de estudo e trabalho, sem esquecer evidentemente as horas de preparação de aulas. Pensar que isto é possível ou que deve ser feito releva de uma mente definitivamente descolada da realidade. Desafio qualquer ser humano a cumprir este horário! Creio que nem sequer vale a pena fazer mais contas e argumentar. Não quero acreditar. Deve ser engano. - A carta de Teresa Marques ao dito Público, sobre o emaiti. sobre o MIT. Sobre a filosofia, novamente.
Foi noticiada a assinatura a 11 de Outubro de um acordo entre Portugal (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e o MIT (Massachussets Institut of Technology). O acordo abrange cinco áreas científicas e envolve sete instituições nacionais. As áreas vão da engenharia e fabricação avançadas, bioengenharia à gestão. Em notícia do PÚBLICO, pude ler que em 25 de Fevereiro tinha sido assinado um acordo com o Governo, que "visa a internacionalização do conhecimento português e pô-lo ao serviço do crescimento económico do país".
Alegro-me com a notícia e espero que os bons resultados esperados se concretizem. Mas fico com uma pequena dúvida: porque será que no MIT, além da investigação e ensino em Ciência e Engenharia, também se estuda Filosofia? Quando vejo as diferentes notícias sobre o assunto, fico com a impressão de que a razão do sucesso do MIT é o facto de a investigação que se faz por lá ser dirigida à aplicação na indústria e nas novas tecnologias. Mas a Filosofia não só não é uma tecnologia, como não tem qualquer aplicação na indústria.
(...) Continuo intrigada, portanto. Fui ver a página do Departamento de Filosofia e Linguística do MIT. Pensei que talvez contratassem apenas filósofos da Ciência, ou da Matemática, linguistas computacionais, ou quem sabe algum lógico ou outro. Mas não. Estava enganada. O Departamento de Filosofia é o tipo de departamento onde não me importaria de ter estudado, com a certeza de que ficaria bem formada em todas as áreas centrais da Filosofia, e em mais algumas menos centrais.
(...) Mas o facto de que o MIT conte, entre os seus professores, com pessoas a investigar em áreas como estas não bate certo com a imagem que temos, em Portugal, do MIT. Pensamos nós por cá: mas para que servem estas coisas? Não servem para fabricar carros, ou sapatos, nem para vender refrigerantes, nem para investir na bolsa, nem para tratar das gripes. Nós não conseguimos ver utilidade nenhuma na Filosofia. Porque estudam eles filosofia no MIT? Não se entende.
(...) Eu já não esperava que este acordo (...) permitisse a colaboração entre algum departamento de Filosofia de uma das nossas universidades e o departamento de Filosofia do MIT. Mas não esperava que em Portugal se tomassem tantas medidas concretas contra a Filosofia: o Ministério da Educação suspendeu (eliminou?) as Orientações para o Ensino da Filosofia, que impunham um padrão mínimo de exigência e qualidade ao ensino da Filosofia no secundário, e eliminou também os exames nacionais de Filosofia, que serviam o mesmo propósito. Só falta extinguir oficialmente a Filosofia do ensino. Há quem diga que é essa, justamente, a ideia.
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