Mais um texto de José Gil, desta feita na Visão do passado próximo 9 de Novembro:
O que impressiona nas intervenções mediáticas dos responsáveis do Ministério da Educação (ME), é a ausência total de uma palavra de apreço e incentivo para com os professores. Quando ela vem, parece forçada, demasiado geral, demonstrando uma incompreensão profunda pelas condições do exercício da profissão. Os últimos rumores (verdadeiros) sobre as eventuais oito horas lectivas obrigatórias, mais o corte das «pausas» do Natal, Carnaval e Páscoa, provam que as autoridades encarregadas de conceberem a política educativa do nosso país não sabem – ou não querem saber – o que implica ser professor.escrito por Jerónimo Costa
Fica-se com a sensação de que o ME tem do professor a ideia de alguém que goza de privilégios imerecidos, que sobe «à balda» na carreira, que falta às aulas quanto pode, que se está nas tintas para o aluno, que se esquiva o mais possível ao trabalho e ao esforço. O cúmulo deste intolerável estado de coisas é que usufruiria – como se faz crer aos portugueses – dos melhores salários em comparação com os equivalentes europeus. O imperativo da política educativa formular-se-ia, pois, assim: «Vamos pôr tudo isto na ordem.» Vamos varrer o despesismo, a «balda», o desperdício, o oportunismo, o laxismo, a facilidade, a incompetência – todos esses vícios da maioria dos docentes que teriam transformado a escola num lugar para se viver de boas rendas, trabalhando pouco, mal, e gozando de inomináveis regalias e do maior tempo de ócio. Imagem tão pregnante que as excepções – «aquele professor que nos marcou para toda a vida...», frase estafada que, pelo menos, diz a parte mínima que compõe a minoria – seriam incapazes de a combaterem e de a apagarem.
Eis o que explicaria os excessos discursivos (e não só) dos responsáveis do ME. Tem-se a nítida impressão de que não gostam dos professores – por mais que queiram distingui-los dos sindicatos. Ora, o que está em jogo no actual debate sobre a educação, é a transformação de uma situação há muito desastrosa, criando condições para um ensino de qualidade, à altura das ambições da «modernização» global do País, proclamadas pelo Governo. Nesse quadro, a Educação constitui um pilar essencial do projecto governativo do primeiro-ministro: se ele falha, falhará todo o projecto. Neste momento constata-se que o clima das escolas (professores cansados, abatidos, deprimidos - dos que pertencem às «excepções») não contribui para a boa aplicação dos novos estatutos que aí vêm.
Quem se importa com os professores? Questão que poderia deslizar, perigosamente, para esta outra: quem se importa com o ensino? Quem, nesta reforma, pensa no tipo de trabalho, material e imaterial, que o professor fornece, para que a relação mestre-aluno produza os efeitos esperados? Relação extremamente delicada, que não se reduz à transmissão de conhecimentos, mas que exige do professor um investimento múltiplo, emocional e intelectual, que provoca um desgaste psíquico e existencial extremo.
Que se me permita citar umas linhas que escrevi noutro local: «O investimento na docência convoca forças de toda a ordem, os dons, a capacidade de controlar e de se auto-controlar, a plasticidade para se adaptar a e lidar com cada aluno em particular, o equilíbrio incessante entre o papel de docente e o de educador, o constante brio que se exige de si (o terrível superego do professor que o força a ter a melhor imagem de si para estar em paz consigo mesmo), a responsabilidade que assume pelo aproveitamento do aluno, etc. Ele não investe uma ou duas 'competências', investe na aula a sua existência inteira.»
Mas não são só o espírito e os métodos pedagógicos que devem ser considerados dentro de um contexto mais alargado. É a própria noção de «racionalização» do ensino que tem de ser repensada. A actual política educativa parece padecer de toda uma série de disfunções e desfasamentos: muda-se o estatuto da carreira docente, com novas tarefas, mais trabalho, mantendo-se inalterados os conteúdos e negligenciando a formação necessária dos maus professores; instauram-se regras de avaliação, mas não se eliminam os compadrios e as conivências; exigem-se boas vontades para certas tarefas, e quebram-se as vontades não oferecendo contrapartidas; voltam-se os pais contra os professores, estes contra a instância que os tutela, o pessoal administrativo contra os professores, e já mesmo se formam alianças alunos-pais contra o Ministério...
Tudo isto é mau para o ensino e para a educação. Como se a «racionalização» do ensino básico e secundário, ao preocupar-se apenas com alguns dos seus aspectos, e sem visão global, induzisse necessariamente outras formas de irracionalidade e anarquia.
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