Para não esquecer...

na rede [27] CALENDÁRIO MEDIEVAL

calendário medieval

ODISEA 2008 pretende retirar do esquecimento alguns dos livros e imagens digitais existentes em bibliotecas de todo o mundo e em webs especializadas. Já aqui divulguei o projecto mais do que uma vez; faço-o novamente, a pretexto da sua divulgação de um magnífico calendário medieval.
As “Très Riches Heures du duc de Berry”, um livro de horas mundialmente famoso, apresenta-se sob a forma de um manuscrito de 206 páginas, de 29 X 21 centímetros. Tem 66 grandes miniaturas em página completa e outras 65 menores. Encontra-se actualmente no Musée Condé em Chantilly (França).

Realizado entre 1410 e 1489 pelos irmãos Limbourg, sob o auspício e patrocínio do duque Jean de Berry, o calendário que faz parte da obra mencionada reflecte um mundo rural onde a riqueza se baseia na propriedade da terra, uma sociedade dominada pelos proprietários que detêm o poder económico e político. A importância de um senhor é medida pelo número dos seus vassalos, a extensão das suas terras, o tamanho e o número dos seus castelos.

O calendário celebra nas suas miniaturas a importância do grande senhor que é o duque Jean de Berry, representando nas cenas os seus castelos, os seus vassalos, as suas terras e as diferentes categorias de camponeses que trabalham para aumentar os seus lucros (aquando da sua morte em 1416 possui o condado de Poitiers, o ducado de Berry e de Auvergne, o condado de Etampes e de Boulonge, um enorme conjunto territorial de mais de 450.000 Km2, 1/8 do Reino de França adquirido pouco a pouco ao longo do tempo.

É também uma obra à glória da paz que propõe uma imagem de bom governo e reflecte uma ideia nova da monarquia, a de uma realeza nacional e territorial num reino indivisível. As "Très Riches Heures" foram realizadas durante a guerra dos Cem Anos contra os ingleses. Em plena guerra civil entre os franceses (Argamagnac comandados por Jean de Berry e os Bourguignos comandados pelo seu sobrinho João sem Medo).

A paisagem das cenas é uma paisagem encantada, domesticada pelos homens, feita de terras de labor, pradarias, jardins, hortas e bosques harmoniosamente entrecruzados por riachos vivos e plácidas águas, de povos e castelos. Nenhuma referência aos anos de peste, de fome, de guerra e de anarquia. Situa-nos numas terras onde reina a segurança, a ordem pública foi restaurada por Jean de Berry e o rei de França.

Os castelos com as suas linhas verticais, as suas altas torres coroadas por telhados cónicos onde ondeiam as bandeiras coloridas são como castelos de contos de fadas. (...) O calendário mostra os prazeres que as diferentes estações do ano oferecem aos príncipes, se a paz se concretiza. Fala de uma época onde os aldeões podem ir tranquilamente para os seus trabalhos e ter tempo para descansar junto à lareira ou à beira da água, sob a protecção de poderosos castelos e príncipes.

Mas esta fé num ideal de paz para o qual Jean de Berry trabalha até ao final da sua vida e que os artistas glorificam nas “Très Riches Heures” é estancado pela batalha de Abincourt a 25 de Outubro de 1415. Nela se confrontam os exércitos do inglês Henrique V e as tropas leais a Carlos VI e na qual o primeiro apoiado pelo duque de Borgonha reclama a coroa de França, e consegue conquistar a Normandia (1417-1419.

A realidade histórica apresenta-nos um panorama muito diferente. A execução do manuscrito levou-se a cabo durante quase a totalidade do século XV numa época muito agitada social e politicamente; no momento em que os irmãos Limbourg começam o manuscrito França ão saiu da guerra dos Cem Anos e as guerras civis fazem furor no país. A anarquia crónica e os caprichos da natureza contribuem assolando o território, arruinando a agricultura e ocasionando fome e peste, dizimando um terço da população do reino. Há que ter em conta que a partir da grande peste negra que assola a França a partir do inverno de 1347 a epidemia forma parte da vida quotidiana do homem da Idade Média e até finais do século XV desenvolve-se uma quinzena de novas epidemias.

A economia rural e as estruturas industriais que já em épocas normais eram muito frágeis vêem-se afectadas pela situação social e política; desde 1346 são muitas as fomes de que padece a população, em princípios do século XV muitas terras são abandonadas voltando às suas condições selvagens. Por outro lado as companhias de mercenários contratadas pelos nobres entre batalha e batalha vivem no terreno, assolando e roubando em cidades e povos.

Esta entrada limita-se a apresentar as miniaturas dos calendários de cada mês, sem se estender em maior informação: o autor de ODISEA2008 preparou um livro de 68 páginas, em espanhol, que explicam detalhadamente estas miniaturas com uma introdução que dá uma ideia geral do contexto em que foi realizada a obra. O motivo para a realização deste livro é que, como se verá pelas ligações que vêm no final da entrada, encontra-se bastante informação na Internet sobre a obra e especificamente os calendários, mas (como lamentavelmente é usual), nada ou quase nada em espanhol. Bem… a partir de agora já existe. O trabalho acabou por ser um tanto laborioso tanto na recompilação de imagens, como na tradução e composição do texto, além da maquetagem do conjunto, mas creio que valeu a pena.

Isto não quer dizer que a obra não mereça um estudo de conjunto, pois as miniaturas são verdadeiras maravilhas da arte da iluminatura medieval, para isso se aconselha a visita às ligações que estão no final do “post”.

No final deste texto podem ver-se as miniaturas dos calendários; estão por ordem cronológica de Janeiro a Dezembro, com muito alta resolução para poderem ser ampliadas, como é aconselhável; é igualmente recomendável a descarga do livro, que, além de ter as mesmas lâminas, as “explica”, o que permite una compreensão das cenas e do seu significado e portanto acaba por ser muito mais interessante desfrutar do trabalho dos artistas.

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escrito por ai.valhamedeus

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