Mais uma vez aí está o Jornal Fraternizar do Padre Mário de Oliveira. Neste número o prato forte é A hora dos Povos
(a queda do Império)e a Interrupção Voluntária do Diálogo. Já se vê a que se referem... Como sempre, a não perder.
Transcrevo o início do texto sobre a despenalização do aborto, de um "Grupo de Católicos: Ana Berta Sousa, José Manuel Pureza, Maria Parada, Miguel Marujo, Paula Abreu", que "assinam oportuna reflexão conjunta sobre o próximo Referendo". Um texto do Movimento "Nós Somos Igreja":
Não há nada melhor para o homem do que comer e beber, e fazer com que a sua alma goze do bem do seu trabalho. Também vi que isto vem da mão de Deus" (Eclesiastes 2, 24)escrito por Carlos M. E. Lopes
Somos católicos e assistimos, inquietos e perplexos, à reiteração de uma lógica de confronto crispado por parte de sectores da Igreja Católica -- incluindo os nossos bispos -- no debate suscitado pelo referendo sobre a despenalização do aborto. Frustrando as melhores expectativas criadas pelas declarações equilibradas de D. José Policarpo, a interrupção voluntária do diálogo volta a ser a linha oficial. E o radicalismo vai ao ponto de interrogar a legitimidade do Estado democrático para legislar nesta matéria. É um mau serviço que se presta à causa de uma Igreja aberta ao mundo.
A verdade é que a despenalização do aborto não opõe crentes a não crentes. Nem adeptos da vida a adeptos da morte. Não é contraditório afirmarmo-nos convictamente "pela vida" e sermos simultaneamente favoráveis à despenalização do aborto. Porque sendo um mal, não desejável por ninguém, o recurso ao aborto não pode também ser encarado como algo simplesmente leviano e fácil. As situações em que essa alternativa se coloca são sempre dilemáticas, com um confronto intensíssimo entre valores, direitos, impossibilidades e constrangimentos, vários e poderosos, especialmente para as mulheres. Ora, mesmo quando, para quem é crente, a resposta concreta a um tal dilema possa ser tida como um pecado, manda a estima pelo pluralismo que se repudie por inteiro qualquer tutela criminal sobre juízos morais particulares, por ser contrária ao que há de mais essencial numa sociedade democrática.
Por isso, não nos revemos no carácter categórico e absoluto com que alguns defendem a vida nesta questão, dela desdenhando em situações concretas de todos os dias: a pobreza extrema é tolerada como "inevitável", a pena de morte "eventualmente aceitável", o racismo e a xenofobia são discurso vertido até nos altares. A Igreja Católica insiste em dar razões para ser vista como bem mais afirmativa "nesta" defesa da vida do que nos combates por outras políticas da vida como as do emprego, do ambiente, da habitação ou da segurança social. Além de que, no caso do aborto, a defesa da vida deve sempre ser formulada no plural. Estão em questão as vidas de pelo menos três pessoas e não apenas a de uma. Por isso, quando procuramos -- como recomenda um raciocínio moral coerente mas simultaneamente atento à vida concreta das pessoas -- estabelecer uma hierarquia de valores e de princípios, ela nem sempre é fácil ou mesmo clara e não será, seguramente, única e universal.
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