Para não esquecer...

A QUESTÃO DO ABORTO

Comentando aqui um texto em que o Carlos Lopes se manifesta contra a pena de morte, "Zé do Almargem" escreve que há uma contradição entre essa recusa e a nossa

[do Carlos e minha. Não conheço a posição dos restantes colaboradores do aijesus]
defesa da despenalização do aborto. Estou convencido de que não há nenhuma contradição. Direi porquê sumariamente:
  1. Também sou contra a pena de morte. Por várias razões. A razão que aqui interessa é esta: creio que nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida a outro ser humano.

  2. A questão do aborto está neste ponto: se admitisse que o ser
    [vivo, com certeza]
    que "é abortado" é um ser humano, eu seria contra (a despenalização d)o aborto. Considerá-lo-ia crime, em quaisquer circunstâncias
    [mesmo em casos de violação. Mesmo em casos de mal-formação. Em qualquer caso, porque em qualquer caso se trataria de tirar a vida a um ser humano].
    É necessário, portanto, responder a duas questões:
    a) qual(s) a(s) característica(s) que são especificamente humana(s);
    b) em que momento do desenvolvimento do "feto" elas aparecem; quando é que o feto passa a ser uma pessoa.

  3. Dito de outro modo: o que está em questão no aborto não é a vida, como os defensores do não ambiguamente afirmam
    [por exemplo, mostram vídeos em que "fetos" com x semanas reagem a estímulos... o que só prova que são seres vivos: todos os seres vivos respondem a estímulos].
    Nós matamos seres vivos
    [até para os comer, como é o caso dos animais de que nos alimentamos].
    O que está em questão é a pessoa humana. E determinar quando é que ela começa.

  4. Trata-se, evidentemente, de um domínio complexo, onde as dúvidas são muitas e as certezas, nulas. Assim sendo, defendo que se deve deixar à consciência da mulher grávida a possibilidade de decidir. Na opção entre tantas dúvidas e questões
    [para as quais se não perspectivam respostas com alguma certeza],
    por um lado, e a imposição de um filho não desejado, por outro -- não hesito: votarei SIM.

  5. Há um texto de Carl Sagan que analisa
    [admiravelmente, digo eu]
    os argumentos das duas posições acerca do aborto e, mais do que dar certezas, levanta dúvidas. Encontra-se aqui.
escrito por ai.valhamedeus

4 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Factos são factos, opiniões são opiniões.
Têm toda a legitimidade para terem opinião a favor do aborto.
Mas isso não altera o facto de se estar perante a matança de um embrião, de um feto, de um ser vivo.
Sobre isto o melhor será dar voz à ciência médica para que se pronuncie.
Neste momento, a grande maioria dos cientistas considera que há um ser vivo (humano) a partir do momento da concepção.

Importa por outro lado separar as águas.

A Ética e o Direito.

Todos sabemos que um ladrão tem todo o direito de ser defendido em Tribunal e que a defesa encontre atenuantes para o crime.

Mas substantivamente o acto praticado contra o património não deixa de ser um roubo/furto por mais atenuantes que se encontrem.

A argumentação do ilustre "ai, valhamedeus" também está em contradição quando escreve e claramente emite uma opinião;

A questão do aborto está neste ponto: se admitisse que o ser
[vivo, com certeza]
que "é abortado" é um ser humano, eu seria contra a despenalização do aborto. Considerá-lo-ia crime, em quaisquer circunstâncias


este "se admitisse" mostra claramente que está a dar a sua opinião. Será bom ler alguns artigos científicos de modo a fundamentar a sua posição.

mais à frente, e transcrevo:

[por exemplo, mostram vídeos em que "fetos" com x semanas reagem a estímulos... o que só prova que são seres vivos: todos os seres vivos respondem a estímulos].

Afinal o embrião ou o feto sempre é um ser vivo e que eu saiba esse ser vivo é um ser humano. Ou não será?

Como vê, e não me quero alongar, está bem claro que até para si estamos em presença de uma vida humana completamente indefesa e que urge preservar.

Em termos jurídicos podemos encontrar várias atenuantes para o aborto: má formação do feto, risco de vida para a mãe, violação, etc, etc, a lei já prevê estas e outras situações... mas, e neste caso, estamos a falar numa ordem jurídica, em termos éticos há sempre uma morte.

E, ainda sobre isto, poderia acrescentar muitos casos de grandes homens que, e segundo o nosso ordenamento jurídico, poderiam nunca ter visto a luz do dia.

Anónimo disse...

Dado que abortar só as mulheres o podem fazer, deixemos esta questão para inquietar (ou não) a consciência delas...
Nós homens não temos que meter o nariz no útero delas, já basta o viril falo nas suas vaginas...
Mais a sério, porque raio é que tem que ser crime abortar?
Ó zé do almargem, estamos em 2007...
(vitor)

Ai meu Deus disse...

Caro Zé do Almargem,

1) Devem separar-se claramente estes dois conceitos: uma coisa é a vida, outra, a vida humana. É pacífico que o feto é um ser vivo; mas não é pacífico que seja um ser vivo humano (que provas científicas há nesse sentido?).

2) Por isso, matar um ser vivo não é o mesmo que matar um ser vivo humano. As mortes do primeiro tipo ocorrem todos os dias sem que as julguemos crimes (quantos animais morrem todos os dias nos matadouros?). As mortes do segundo tipo são crimes; e, SE o embrião/feto fosse um ser humano, matá-lo seria crime.
(E é por eu defender que não é um ser humano desde a concepção, que não há contradição entre a defesa da despenalização do aborto e a recusa da pena de morte).

3) Não é verdade que a grande maioria dos cientistas considere que há um ser vivo humano (tiro os seus parêntesis) desde o momento da concepção. Há é desacordo entre eles e por 2 razões principais:
a) a questão não é exclusivamente (e talvez nem mesmo sobretudo) científica;
b) parece-me difícil defender que um óvulo (logo após a fecundação) seja um ser humano: que características específicamente humanas tem um óvulo?

4) O muito usado argumento dos "muitos casos de grandes homens que, e segundo o nosso ordenamento jurídico, poderiam nunca ter visto a luz do dia" parece-me ser um fraco argumento. Basta pensarmos no esperma que se perde de muitos modos (o da masturbação masculina, por exemplo): a quantidade de grandes homens que poderiam surgir dali! :-)

5) Finalmente: a contradição parece-me estar do seu lado, e aqui: se defende que há um ser humano desde a fecundação, como é que pode defender ao mesmo tempo qualquer forma de aborto (por exemplo, em caso de violação)? Nestes casos, não se mata um ser humano? E, se se mata um ser humano, não há crime?

nb: é claro que o meu texto exprime a minha opinião/posição; e, obviamente, também sei que ela não é única e que portanto é polémica. Respeito a posição contrária (tanto que defendo que quem acha que o aborto é crime o não deve fazer em caso nenhum. Não me parece é que deva impor a sua posição a quem defende uma posição contrária).

Anónimo disse...

Breve comentário aos ítens:
4)
Parece-me que o exemplo dado (masturbação) não foi muito feliz pois nada tem a ver com o assunto.
Embora com isso possa ter trazido para a discussão, a posição da Igreja que até considera ou considerava a masturbação, pecado.(1)
Todavia eu pretendi cingir a minha posição ao campo da Ética e do Direito.
Propositadamente deixei de fora a posição Religiosa.
E tal como 4 rodas, um chassis e um motor não fazem um automóvel também o esparmatozoide à solta num trapo qualquer não faz um ser humano.

5)
Se ler com um pouco mais de atenção o meu texto verificará que não há contradição no que escrevo.
Limitei-me a referir a posição Ética - Absolutamente contra o aborto
e a Jurídica (portuguesa) que o admite em determinadas circunstâncias.

A minha posição nesse campo é muito restritiva:
a- Perigo de vida da mãe;
b- Má formação do feto;
c- Violação.

Quanto à afirmação "de ser um problema da exclusiva responsabilidade da mulher" (Victor) também é muito discutível...
Dentro do casamento ou união de facto o pai não pode ficar de fora nas situações a) e b). Em ordenamentos jurídicos anteriores o pai era mesmo chamado a decidir entre a vida da mãe e do filho...(a)

.................
Como as iludência, aparudem
(1)
Uma senhora agarrou no barco de pesca do marido e foi para o meio do lago, numa zona em que um letreiro avisava "Pesca Proíbida".
O Guarda florestal ao ver o barco de pesca em zona proibida, aproximou-se no bote, olhou para o interior do barco e ao ver aqueles apetrechos de pesca, começou a passar-lhe a respectiva multa.
A senhora explicou ao zeloso guarda que não estava a pescar, que o barco era do marido e ela foi para o meio do lago para ler o livro em paz e sossego.
- Tá bem... mas a senhora tem aqui todos os apetrechos para o fazer. Vou mesmo passar-lhe a multa.
- Se o fizer, grito que o senhor me está a fazer assédio sexual.
- Como, se nem sequer lhe toquei?
- É verdade, mas também tem todos os apetrechos para o fazer!
Prudentemente o guarda meteu o bloco no bolso e remou para a margem.
...........

Ai! Valha-me Deus! -digo eu