Corria o ano de 1976, saímos de Santo Estêvão em demanda de Lisboa. O nosso objectivo era emigrar. Éramos quatro: o Madruga, o Zé Pedro, o Idalécio e eu. O condutor era o Rolandino, que nada tinha que ver com o grupo, era taxista e era contratado.
Saímos da aldeia bem cedo, como era hábito para quem quisesse “governar vida”. Seriam umas cinco da manhã. Queríamos ir para a Austrália. Os outros eram pedreiros ou arrimados, eu não sabia fazer nada. Tinha estudado no Liceu e então nem contabilista
(como o nosso Cavaco),nem electricista, como os da Escola Industrial.
Estávamos no começo dos vinte anos e queríamos sair daqui.
O grupo era heterogéneo, mas amigos de sempre
(e para sempre).O pai do Madruga era criador de ovelhas e cabras e seu guardador. A mãe fazia uns queijos maravilhosos. Assim que entrou no carro, o Madruga disse logo que tinha comido um requeijão muito bom. A viagem era atribulada, a serra do Caldeirão era
(e é)um martírio. São muitas curvas e apertadas. O Madruga não aguentou e, alguns quilómetros depois, já o requeijão da mãe enfeitava o vidro traseiro esquerdo do táxi. Era um cheiro a azedo, ainda que não muito desagradável. “Ai meu rico queijinho”, gemia o Madruga. Em Santo Estêvão era assim e o Madruga não quis dar sinal de fraco. Parámos. Rimos. Nessa altura ríamos de tudo.
O Idalécio era pequeno, vaidoso, poupadinho e um pouco feio
(e ainda é, graças a Deus).Quando parámos é que vi. O Idalécio ia no banco de trás, no meio, entre o Zé Pedro e o Madruga. Pois o Idalécio ia em cuecas
(naquela altura ainda não havia boxers).Tinha tirado as calças, dobrado com muito cuidado e posto na parte de trás, para não se amarrotarem. Não queria fazer má figura ao chegar a Lisboa.
Ninguém foi para a Austrália. Foi uma tentativa falhada.
escrito por Carlos M. E. Lopes
0 comentário(s). Ler/reagir:
Enviar um comentário