Para não esquecer...

Pê... quê?! [25] POLÍTICAS FÚNEBRES

Para conhecimento de quem não tem acesso ao Público

[onde o texto é publicado, na edição de hoje]
e para memória futura:
A vocação fúnebre das políticas educativas

Repugna-me que os responsáveis pelas políticas educativas tenham vindo a estrangular sistematicamente o ensino da Filosofia. Extinguiram exames nacionais da disciplina e baniram-na de cursos onde o seu ensino deveria ter sido reforçado. Que pretendem? Cercear o desenvolvimento da inteligência crítica dos jovens?

1. Os estudos filosóficos são estruturantes em qualquer programa de formação humana e indispensáveis como garante das aquisições civilizacionais que nos antecederam. Contra mais esta iniciativa fúnebre do Ministério da Educação, decorre um movimento cívico que pode ser conhecido em http://www.spfil.pt/peticao.html.

2. As bancadas parlamentares assemelham-se, repetidas vezes, a autênticos necrotérios de vontades. Soube-se, na transacta semana, que cerca de 30 por cento dos deputados do PS que integram a comissão parlamentar de educação estão contra normas várias do estatuto da carreira docente, recentemente promulgado. Essas normas, no dizer do grupo rebelde (em rigor, tristemente obediente), violam princípios básicos da Constituição da República Portuguesa e são "arbitrárias e discriminatórias". Apesar destes qualificativos, os deputados preteriram o interesse dos representados e a sua própria convicção, em nome da disciplina de voto. Repugna-me esta visão domada da democracia e esta leitura do que é ser deputado. O crédito moribundo de que gozam os ditos sofreu mais uma pazada.

3. Mariano Gago parece observar de longe o velório da Universidade Independente. Poderá argumentar que está manietado por um mar perverso de burocracias construídas ao longo dos tempos. Mas porque pertence a um Governo que manda polícia de cara tapada e caçadeira em riste intervir na lota de Setúbal, compreenderá a dificuldade que temos em perceber as diferenças: de um lado, peixe fresco acondicionado em madeira proibida dita intervenção enérgica; do outro, peixe graúdo, que enlameia diariamente a instituição universitária, merece uma passividade fúnebre. Esta desproporção de meios incomoda.

4. Os veredictos dos tribunais portugueses têm exposto a má qualidade das decisões políticas dos governantes da 5 de Outubro: conto, salvo erro, 10 condenações relativas aos exames de Física e Química, 3 no que respeita a falta de pagamento de aulas de substituição e despachos revogados, por ilícitos. A relativa passividade dos media dá que pensar. A displicência e o silêncio sepulcral dos visados não surpreendem.

5. Que credibilidade merece a anunciada aposta na formação e na qualificação dos portugueses quando, do mesmo passo, se promovem políticas homicidas dos mais qualificados e se assiste ao aumento da emigração de jovens licenciados? Ficámos ultimamente a saber que os bolseiros de pós-doutoramento em Ciência e Tecnologia continuavam sem receber as quantias que lhes são devidas; que as alterações legislativas aos regulamentos de equiparação a bolseiros em processo de doutoramento, ditadas a meio dos projectos e derrogando o previamente acordado, estão a levar ao abandono das investigações; que o desemprego dos docentes custou ao Estado, no último ano, 18 milhões de euros, sem que estejam considerados os desempregados do ensino superior, escandalosamente discriminados.

6. Mais um anúncio e mais uma iniciativa inédita: vão ser gastos 940 milhões de euros na recuperação de escolas ao longo dos próximos nove anos; segundo o porta-voz do Ministério da Educação, um dos instrumentos de financiamento será, e passo a citar, "o aluguer de espaços para casamentos e baptizados" e "para torneios de solteiros e casados". Esqueceram-se de considerar o aluguer para velar mortos e discriminaram os divorciados nos torneios de salão. Depois da anulação do défice, é provável que ainda sobre algum Portugal, algumas escolas, algumas maternidades, algumas urgências hospitalares, alguns apeadeiros de caminhos-de-ferro, algumas estações de correio, algumas aldeias do interior e, obviamente, 54 governantes com os seus 500 assessores e adjuntos, 137 secretárias, 128 motoristas e 280 auxiliares administrativos.
escrito por Santana Castilho (professor universitário) e publicado no Público de 26/3/2007

0 comentário(s). Ler/reagir: