O QUE É IGUAL NÃO É VANTAGEM

Como Jonas na barriga de um Boing
[no princípio era o Friendchip]
vou de reflexão em reflexão.
Na viagem intercontinental número 60
[traço de união Europa-África-América]
dei comigo a pensar que o bojo de um Boing é uma rasoura.
A diferença entre a primeira e a segunda classes
[eufemisticamente chamadas Business e Turística
Como se os primeiros fossem a trabalhar e os segundos a gozar]
é tão pequena que chega a ser ridícula.
Estas pessoas pagarão o triplo só para dormir um par de horas menos encolhidas que em segunda classe?
Claro que não!
Pagam uma pipa de massa por uma glória de trinta minutos
[o tempo que dura o desfile dos turistas que se dirigem aos apertados assentos da retaguarda onde está enfiada a segunda classe].
Depois dessa meia-hora de exposição e admiração dos exemplares…
[Senhores passageiros, mesas recolhidas, assentos na posição vertical e cintos apertados para a descolagem]
os motores roncam. O boing arranha o asfalto com nervosismo.
Depois… durante a descolagem…
Todos os corações se apertam.
Todos rezam
[crentes e ateus]
aos deuses e virgens da sua devoção para que aquela coisa alada se aguente no ar até ao destino.
Todos se assustam quando Pégaso começa aos coices a dez mil metros de altitude.
E... se ao ícaro se lhe derreterem as asas…
[vá lá você saber quando e porquê]
lá em baixo as brigadas de resgate jamais saberão se aquele pedaço de carne tisnada viajava em primeira ou em segunda.
[No mesmo saco de plástico negro chegarão à morgue braços e cabeças de primeira misturados com pernas e troncos de segunda].
Nesses momentos, mais do que nunca, sinto-me verdadeiramente solidário com todos os humanos meus irmãos
[de primeira e de segunda].
E durante os 20 passos que me levam a cruzar a primeira classe
[perante os olhares superiores que me chegam dos espaçosos assentos]
formulo sempre o mesmo desejo:
Que estas tipas e estes tipos amanhã possam continuar a pensar que valem mais do que eu!
[Se assim for, nunca chegarão a saber que o dinheiro não lhes garante a segurança].
Senhores passageiros, façam favor de apertar os cintos
[sim, os da primeira classe também].

escrito por José Alberto, Porto Rico