Para não esquecer...

PARIS E OS ANÉIS DO NIBELUNGO

A lembrança do ai.valhamedeus da vinda anunciada do Outono fez-me recordar, com saudade e alguma nostalgia, o Verão que se finou. Pelo menos no calendário. Nostalgia que o malogrado escritor Luís de Sttau Monteiro expressou no seu livro “Agarra o Verão, Guida! Agarra o Verão!”. Livro este que serviu de base para uma das primeiras telenovelas portuguesas “Chuva Na Areia”. Recordam-se? Pois, tempos em que a literatura servia de paradigma para as novelas, cá como lá. Refiro-me naturalmente à pátria das ditas, o Brasil. O paradigma mudou e os públicos também. Resta saber, como na história do ovo e da galinha, o que levou ao quê.

Gabriela Correia em ParisPorém, telenovelas à parte, o meu Verão foi assaz prazeiroso
(o meu computador não me aceita a palavra, mas a mim que me importa …).
Estive novamente em Paris! Ah! Paris. Paris, a das luzes, Paris e as “chansons d’amour”, Paris e o “ Sacré Coeur”, Paris e o romantismo de Montmarte. Mas também o “Moulin Rouge”, onde fui desta vez; que eu cá não quero morrer estúpida. Digo-vos que pensei que fosse pior! Isto para os meus parâmetros e concepção de bom, mau, assim-assim e outros graus dos adjectivos, na minha escala de valores, bem entendido. Contudo, e na minha opinião, Paris está diferente da de há 3 anos. É Paris pós Sarkozy: mais lixo e menos luzes
(como sustentam alguns franceses).
Será da crise? Ou porventura estão todas elas na Torre Eiffel, engalanada de cores azuis da União Europeia a testemunhar a Presidência Francesa da (des) União? Porventura! 

Será que Monsieur Sarkozy se distrai a olhar para os atributos físicos de Madame Sarkozy em vez de olhar pela res publica? Quiçá.

Mas Paris também pertence ao citoyen comum francês, e cada vez mais, ao magrebino, que sobrevive (?) tentando impingir cópias de todos os formatos e tamanhos do exemplar natural da Torre que se exibe ante os nossos olhos, assim nos distraindo da sua
(dela, torre)
contemplação. Torre que o escritor Émile Zola todos os dias desancava no seu jornal, mas que frequentava quase com a mesma assiduidade. Por via do restaurante e da excelente vista sobre Paris que ela lhe oferecia. Ao que consta, a razão era outra, e expressa pelo próprio: o autor de tal “atentado urbanístico”indagou, perplexo, por que motivo Zola frequentava “o monstro” se o abominava daquele jeito? Zola terá respondido: “Porque é o único sítio em Paris onde posso comer descansado sem ter a visão da porcaria
(merde, quiçá)
da sua torre.”

Ora, à roda deste ex-libris da cidade enxameiam gentes das mais desvairadas geografias e com misteres muito díspares. Turistas escolhendo o melhor ângulo e a melhor pose para a fotografia, parisienses em passo apressado, casais de namorados, hetero e não só, jovens e não tão jovens, etc. E agora, fruto da necessidade que aguça o engenho, cidadãos creio que oriundos do Leste Europeu, e também franceses jovens, ajudados e incentivados pela ideia de empreendedorismo da congénere francesa da Dr.ª Manuela Ferreira Leite, deitaram mãos à obra e a um par de anéis de pretenso ouro com um sinal no interior a imitar o contraste da certificação de autenticidade e, enquanto o turista ingénuo e distraído se interroga sobre o dito contraste no interior do anel
(será verdadeiro, não será…)
o achador do dito, confiando na cupidez do investigador e enquanto o diabo esfrega um olho, alivia o incauto dos seus valores que, esses sim, são muito verdadeiros. Outros destes achadores, que apanham o anel do chão
(já o trazem na mão, estão a ver? Tipo os ilusionistas que nos tiram moedas do cabelo e atrás das orelhas, em vez de carrapatos, como diz a canção)
oferecem-no-lo abnegadamente, pois são, ai como era? Evangelistas, ou coisa que o valha. Mas sempre nos vão pedindo dinheiro para comer, em troca de tão valioso cadeau. No nosso passo calmo, interrompido de espacito, para melhor entrosar a conversa sobre filhos, maridos e outros assuntos privados que contamos a estranhos, tornados cúmplices e amigos do peito por mor do sentido ecuménico das viagens, fomos abordados por 4 achadores de ambos os sexos e variados níveis etários. Vários outros segmentos do grupo tiveram iguais encontros imediatos com estes portentosos detentores de anéis colonados. É que eram exactamente iguais. 

Ópera de Paris
E eu pergunto-me: que Valquírias determinaram estes destinos? Que Nibelungo anda a fabricar estes anéis? E com que ouro do Reno? Se o Reno só tem turistas e pouco mais?

Vá lá, não aconteceu nada, pois levávamos tudo muito acondicionadinho e bem junto ao coração. Dada a rapidez da globalização e do empreendedorismo em breve teremos pessoas a curvarem-se ao nosso lado, mergulhando a mão na calçada portuguesa, arrancando-lhe o ouro tão cobiçado. Será que vamos inovar e apresentamos aos turistas uma mão toda suja de e a pingar petróleo?
P.S. Escusam já de ficar invejosos e rancorosos por, em tempos de crise, eu ter estado em Paris. É que eu sou poupadinha. E, como dizia um vizinho nosso quando eu era miúda, “ o dinheiro não é de quem o tem, é de quem o poupa!” (dixit)
escrito por Gabriela Correia, Faro [22 de Setembro - 1º dia de Outono, e bem chuvoso!]

0 comentário(s). Ler/reagir: