Para não esquecer...

ADEUS MIRIAM

Miriam Makeba

A notícia da tua morte apanhou-me de surpresa. Pensei que mulheres assim não morriam. Enganei-me. Falhou-te o coração de Mamã África. Mas valeu pelo muito que viveste e porque morreste a cantar.

Conheci a Miriam em 1968. Para essa época também eu não acreditava na morte, mesmo vendo-a todos os dias. Eram realmente tempos de morte. Era a guerra colonial de mãos dadas com o apartheid, ali ao lado. Massacres no Soweto. Massacres em Wiriyamu (Tete). E naqueles dias em que as notícias traziam coisas tristes, a Miriam animava-nos com o seu Pata-Pata.

Para as saudades receitava Khawuleza. Ou despertava-nos o riso quando cantava na sua língua materna com sons estranhos e fonemas saídos de outra dimensão linguística.

Zeca Afonso e Miriam Makeba: o casal indispensável a partir das dez da noite, quando o gerador dava sinal e se apagava. O acto seguinte era preenchido pela observação das belas constelações do hemisfério sul, à luz das canções destes dois heróis do nosso imaginário de jovens cheios de sonhos e ideais românticos.

Hoje foi feriado nesta terra. Dizem que para recordar os soldados mortos nas estúpidas guerras
[isso digo eu, claro]
que chicos-espertos declararam para seu benefício pessoal. Como foi o caso da guerra colonial. E das guerras de toda a África.

Decidi que para homenagear a Miriam, nada melhor que passar o dia ouvindo as suas canções. E voltei a sentir a esperança, a saudade, a raiva, a miséria, a injustiça, a fome, o abandono. Tudo regado pela satisfação de ter estado ali, no campo de batalha de Miriam e do Zeca. E de sentir o seu ritmo de uma maneira diferente.

Miriam, foste o cumprimento da promessa do Zeca: «um dia hás-de aprender / haja o que houver». Aprendeste. E ensinaste muito. Adeus, stora! Sempre gostei de ti.

escrito por José Alberto, Porto Rico
[nota de Ai meu Deus: este texto foi escrito no dia da morte de Miriam Makeba. Por culpa minha, só hoje foi publicado. Ao José Alberto e aos leitores do Ai Jesus! peço que me desculpem].

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