Para não esquecer...

SOBRE A ARTE DE OBSEQUIAR

A minha co-postante Sayyida Gabriela manifestou algum incómodo pelo à parte sobre a arte de obsequiar, e pareceu lamentar o rude golpe que essa impertinência infligiu à dignidade do texto. É evidente que em nenhum momento pôs em causa a dignidade do autor, e isso é detalhe de que me toca.

Já a limitação temporal que declara ao escrever "... as mulheres eram, nesses tempos, objectos usados como obséquio feito aos amigos" parece-me enfermar de falta de rigor histórico, pois a prática nem começou nem terminou nesses tempos, mantendo-se não viva, mas tendo até evoluído para formas comerciais mais ou menos sofisticadas.

Na pequenez lusa, temos prova disso nalguma da matéria de facto imputada a certos dirigentes futebolensium, que
(pretensamente)
se inspiraram no governador do Egipto para obsequiarem árbitros complacentes, e na oferta de ucranianas prontas a usar que se tem institucionalizado como obséquio tradicional aos que se despedem de solteiros
(também me consta que vice-versa, mas, como Deus manda, com muito mais recato).
Na grandeza decrépita americana, a recente iniciativa dos industriais de pornografia Larry Flynt e Joe Francis é prova do acima escrito: ambos requereram ao Congresso a inclusão do sector industrial em que operam
($20 biliões/ano, e, segundo clamam, sinistrado)
na lista dos beneficiários do package de auxílio financeiro, invocando a urgência em "rejuvenescer o apetite sexual da América", e as terríveis consequências sobre o nível de emprego da descida do volume de negócios em mais de 20%. Sabendo-se que uma parte desse volume de negócios é gerada pela utilização das "commodities" para obsequiar, creio ficar provado que, estes tempos, nada ficam a dever àqueles.

Quanto à evocação da cerimónia ocidental do "casamento religioso onde o pai entrega a noiva ao noivo, numa passagem de testemunho idiota", não chego a compreender se Sayyida Gabriela critica a entrega
(a "traditio" que os romanos já praticavam),
ou o seu carácter religioso. Se é este último, saibam os leitores que, no Islão sunita – 85% dos crentes - a cerimónia do casamento
("nikah" em árabe – desconheço se o português importou esse termo)
nada tem de religiosa, sendo acto de natureza exclusivamente civil em que qualquer muçulmano pode oficiar, e a noiva é acompanhada não pelo pai mas por um representante da família designado para o efeito, conhecido por "wali"
(palavra que em português deu o "valido" medievo, vítima do tempo e da degradação dos valores).
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A homenagem de Sayyida Gabriela aos Rajul al-Ansar – "Homens-companheiros", denota a opção por um mundo em que a identidade masculina se esbate e o homem se feminiza, depilando-se, consumindo produtos de beleza, usando jóias, sonhando com o amor eterno, consumindo telenovelas, preferindo o compromisso à autoridade viril e privilegiando o diálogo (!!!) à luta.

Esta tendência é alimentada pelos poderes, que se deram conta dos múltiplos aspectos interessantes que vectoriza: a aproximação em direcção do feminino abre risonhas perspectivas a inúmeros mercados até aqui condicionados pelo género, e, sobretudo, à pressão eficaz no sentido de ser alcançada a igualdade de salários pela descida progressiva dos masculinos até ao nível dos femininos. No braço de ferro entre o trabalho e o capital, este humilha inflexivelmente aquele, mostrando aos machos que as mulheres podem fazer exactamente as mesmas coisas que eles, e ao mesmo preço.

Citando Al-Sahafiyy Az-Zemmour "...quando se recusa ver a relação sórdida entre o dinheiro, o poder e o falo, compram-se óculos com lentes opacas".

escrito por Ya Allah

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