Para o arquivo da memória do Ai Jesus!, ficam dois textos, com, pelo menos, um denominador comum, como se verá pela leitura – e ambos publicados em vésperas do que convencionou chamar-se em Portugal o Dia da Liberdade
[pura convenção, já sei].
Espero que não esteja por aqui a… enfeixar lenha para me queimar
[que é como quem diz, a ofender o bom nome de algum Grande Irmão com acesso privilegiado à Sala 101. Ou às balanças cegas do Código Penal. Ou do Ministério da Verdade].
EM NOME DO BOM NOME[Manuel António Pina, JN, 15.04.2009]
Depois dos políticos, são os árbitros de futebol. A APAF anunciou que também os árbitros vão processar qualquer pessoa "que efectue declarações (…) ofendendo o seu bom nome ou colocando em causa (…) a sua idoneidade e seriedade". O anúncio reporta-se, claro, aos árbitros que tenham bom nome, idoneidade e seriedade e, se a intenção for avante (e temo, com este "se", já estar a colocar em causa a idoneidade e seriedade da APAF), não ficará pedra sobre pedra nos jornais e nas discussões de café das segundas-feiras.
Com efeito, o artigo 180º do Código Penal - e longe de mim, valha-me Deus, ofender o bom nome do artigo ou pôr em causa a sua idoneidade e seriedade - pune tudo o que mexe: a imputação de factos, a manifestação de suspeitas e até a mera formulação de juízos ou a sua reprodução. Só ficam por punir elogios. O que uma tal redacção explica à liberdade de expressão é assim a modos o que médico da anedota diz ao doente: "Álcool e doces estão proibidos, comida só grelhados sem sal, nada de excitações, sair à noite nem pensar, mulheres idem aspas, homens ainda menos… E divirta-se, divirta-se!"
Mário Crespo – a poucos dias de mais uma celebração do já velho e gasto (?!) 25 de Abril, ou reactualizando o refrão do Chico Buarque: estão finando a tua festa pá!
"Estava um dia frio e límpido de Abril e os relógios batiam treze badaladas" e eu dei comigo a pensar: 'Se calhar o melhor é passar um pano encharcado em creolina sobre isto tudo e deixarmo-nos de coisas porque a melhor política é o trabalho e qualquer dia… toca-me a mim'. Do Ministério do Amor já tinham vindo sérias admoestações. Recordam-se do zelador da justiça que, questionado por um jornalista mais impertinente sobre se o "Grande Irmão" poderia ser constituído arguido, respondeu: "Olhe, até você pode ser constituído arguido"? E não é que foi mesmo! Só na última semana foram uns três! Tudo isto para que não haja dúvidas que na "Oceânia", como foi dito, "não é qualquer director de Jornal com as suas campanhas" ou "uma qualquer televisão quem governa". Quem governa na Oceânia é "quem o povo escolhe". Por isso, estes três (e brevemente serão mais) obviamente foram entregues ao Ministério do Amor (um deles já foi ouvido) e agora vão de certeza parar à Sala 101 onde "confrontarão os seus piores receios" até aprenderem a amar sem reservas quem tanto bem lhes faz e a quem tanto devem. Tem que haver uma punição exemplar por esta ingratidão dos que não reconhecem o imenso trabalho que tem sido feito pelo Ministério da Abundância na "distribuição de rações". Como é que os amigos não os denunciaram (como foi feito, e bem na DREN)! Então o Ministério da Verdade não tinha já decidido dar mais um ano de completo bico-calado sobre tudo! E eles (e elas) a pisar cada vez mais o risco contando coisas! Falam de pressões sobre o próprio Ministério da Verdade! Subornos no Ministério da Abundância e, sacrilégio ultrajante, sugerem que há corrupção a alto nível! Qual nível? Ao nível do topo do "Partido Interno"! Como é que se pode dizer uma coisa destas e esperar fazê-lo com impunidade, aqui na Oceânia onde a Abundância é inigualável, e a paz e a justiça nas ruas é garantida por dez mil novos disparadores Glock-19 de 9mm! O Ministério da Verdade já exortou à serenidade com um brilhante anúncio na Rádio e na TV informando que as manifestações de rua são "contra" os cidadãos. E eles não quiseram acreditar! E mesmo no Período do Grande Silêncio decretado pelo Ministério da Verdade divulgaram coisas como se quem mandasse na Oceânia fosse um "qualquer Director de Jornal com as suas campanhas" ou "uma qualquer televisão", quando todos sabemos que quem manda é "quem o povo escolhe". Por isso vamos passar a esfregona bem encharcada em creolina sobre tudo isto e, com o Grande Silêncio garantido pelo Ministério da Verdade, com os desviantes na "Sala 101" a aprenderem a estar calados quando os mandam, o povo sereno votará e escolherá quem quer que continue a mandar na Oceânia. As listas para o "Partido Interno" já estão quase prontas. Depois vêm as do "Partido Externo". Nessas, os descontentes ao verem como ficam os jornalistas que o Ministério da Verdade vai levar à Sala 101, aceitarão de vez o Grande Silêncio e terá "chegado o grande momento. Salvar-nos-emos, seremos perfeitos."[in JN, 13.04.2009]
PS: As frases entre aspas, mais inspiradas, são do 1984 de George Orwell. As menos inspiradas são de 2009. Quanto ao mais, como Marx diz no Capital, "muda-lhes os nomes e esta é a tua história".
escrito por ai.valhamedeus [com um abraço para o Jerónimo, que me enviou os textos e o título do texto de Mário Crespo]
1 comentário(s). Ler/reagir:
Relativamente ao futebol e tendo em conta o facto do Estado estar a exigir às vítimas da queda da ponte de Entre-os-Rios o pagamento das custas do processo (mais de 1 milhão de euros), digo que neste país tudo é possível.
E eu estou de acordo
É muito feio chamar gatuno a um ladrão, e mais feio ainda chamar filho de puta ao mesmo.
Tal como em Esparta.
Crime é deixar-se apanhar.
Portanto os meninos quando forem para o estádio, mesmo em casos flagrantes, óh menos ponham um adjectivo no começo...
mais ó menos assim:
Meu lindo (querido) gatuno vai roubar para a tua rua!!!
Enviar um comentário