O último livro de Maria Filomena Mónica, Passaporte
[Lisboa: Aletheia, 2009],
descreve algumas das suas escapadelas a sítios
[aos sítios mas sobretudo à história e à cultura dos sítios]dentro e fora do País, entre 1994 e 2008.
Uma delas é a visita a Fátima fora de horas. Reflexões demolidoras que começam pela desilusão de a Cova da Iria não ser uma cova e, portanto e mentindo na designação, escapar à regra das aparições. São depois as designações beatas dos hotéis
[Três Pastorinhos, Verbo Divino, Coroa de Fátima...];"a avassaladora fealdade do local" e do Santuário e dos barracões onde se comercializam velas; a dimensão internacional de Fátima e "a presença do dinheiro"; o kitsch enjoativo do Museu da Cera; a fealdade da via-sacra do "Caminho dos Pastorinhos"; os "miúdos ranhosos" do parque de estacionamento de Aljustrel, a aldeia natal dos pastorinhos; o mistério de lemas das peregrinações como "Família, Torna-te Naquilo que És" e os arrazoados impossíveis da homilia...
...e a autora deriva para considerações histórico-culturais sobre o "ciclo de aparições iniciado em meados do século passado, quando a Virgem começou a aparecer a crianças pobres", em que a Cova da Iria se inscreve. Um ciclo que sobreviveu graças aos
"interesses poderosos, redes de propaganda e circuitos de comercialização"nele interessados. O caso português tem singularidades: o sítio "possuía um nome estranho: Fátima, a filha dilecta de Maomé e da sua primeira esposa, Cadija; Fátima, o símbolo da mulher eterna, a 'mãe de seu pai'; Fátima, a fundadora de uma das mais poderosas seitas islâmicas, os xiitas. Mistura de raças, Portugal acabaria por juntar num mesmo local duas religiões e por criar uma lenda, a de que Fátima, a 'traga-mouros', trocara, ao baptizar-se, o seu nome pelo de Oriana, de onde a vizinha Vila Nova de Ourém".
...e as considerações continuam com citações de Jaime Cortesão e John Gibbons; com a análise da "forma espectacular como o turismo está montado" e da abundância do dinheiro; e à excepcional evolução demográfica da Cova da Iria.
O capítulo termina com mais de 9 páginas sobre o culto mariano: sobre a virgindade de Maria
[uma ideia com "vestígios de festas pagãs", mas que não é dos alvores do Cristianismo: o dogma data de 1854],
[a Rússia; e o Estado Novo, sem o qual "o 'milagre' nunca teria saído da Cova da Iria"].
Concluo recordando
[com negritos meus]
A treze de Maioescrito por ai.valhamedeus
Na Cova da Iria,
Apareceu brilhando
A Virgem Maria.
[...]
Mas jamais esqueçam,
Nossos corações,
Que nos fez a Virgem,
Determinações.
Falou contra o luxo,
Contra o impudor,
De modestas modas,
De uso pecador.
Disse que a pureza,
Agrada a Jesus,
Disse que a luxúria,
Ao fogo conduz.
[...]
À Pátria que é vossa,
Senhora dos Céus,
Dai honra, alegria
E a graça de Deus.
À Virgem bendita,
Cante seu louvor,
Toda a nossa terra,
Um hino de amor.
[...]
Avé, Virgem Santa,
Estrela que nos guia,
Avé, Mãe Pátria.
Oh! Virgem Maria!
1 comentário(s). Ler/reagir:
Como todas as dimensões da vida, também a religiosa se insere num espaço e num tempo cultural...É por essa razão que as melodias religiosas ("Avé de Fátima"), a iconografia e demais simbologia respeitam o tempo e os referências culturais da época. Ou, como poderia, por ex., a "Senhora vestida de branco" falar a crianças analfabetas (estamos em 1917), do mal que afligia a humanidade sem usar a categoria do fogo para se referir à realidade escatológica da não fruição de Deus (vulgo, "inferno")? Fazê-lo doutra forma seria nada conhecer da humana condição daquelas crianças, de todo o país...quiçá, da Europa em geral...
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