Para não esquecer...

AUTO-RETRATO

Discutem-se euros aos milhões na tarde lenta
Ao sol concreto e duradoiro
Ao som da música em decibéis naturais
Dos pássaros em chilreio.

Discutem-se negócios dos outros que para negociar nasceram
Como eu nasci já em fim de ano.
Nasci como nasce uma flor na erva do canteiro.
Por engano.

Tal como afirmaste, ó poeta Ruy Belo!
Sou mais do orvalho que do oiro velho.
Nunca os números me acompanharam nos dias taciturnos
Do Inverno.
Só por necessidade somo dois e dois
Só por curiosidade olho as formas geométricas
Que há nos objectos que outras mãos fizeram.
Perco sempre onde os outros ganham.

Mas o que eu quero mesmo é voar com os pássaros
É olhar de cima este mundo baço
Dos euro milhões

O que eu mesmo quero é sentar-me aqui.
E não me distraiam
Que eu quero viver muito de mansinho
E neste lugar
Sem que os outros saibam.
[Gabriela Correia, Faro, 25 de Abril de 2009]

escrito por Gabriela Correia, Faro

6 comentário(s). Ler/reagir:

alberto disse...

Com um abraço pelo dia especial e feliz de ontem para a Gabriela, e que continue a “voar com os pássaros e olhar de cima este mundo baço”,envio dois pequenos poemas de Emily Dickinson - “Poems of 1924”:

XXXVII
LOVE is anterior to life,
Posterior to death,
Initial of creation, and
The exponent of breath.
XLV
I ’VE got an arrow here;
Loving the hand that sent it,
I the dart revere.

Fell, they will say, in “skirmish”!
Vanquished, my soul will know,
By but a simple arrow
Sped by an archer’s bow.

Anónimo disse...

Obrigada.
Por acaso o meu aniversário é a 29 e não 30. Ainda bem, pois a Mafalda também faz anos nesta data. Nasceu da inteligência de Kino, para nos alegrar e criticar, a rir, coisas sérias. Muito sérias mesmo
gabriela

Anónimo disse...

Só uma diferença: eu gosto muito de sopa!
gabriela

alberto disse...

Sei bem ser o dia 29, mas tinha de esperar por algum texto alusivo, mesmo que recôndito, pois julgo que a minhas contribuições só são permitidas em resposta a textos dos 7 colaboradores do blog (se estou enganado corrijam-me)

alberto disse...

A mistura da Gabriela idealista e do humor realista da Mafalda, que fazem anos no mesmo dia com um desvio de 14 anos, fez-me dar um salto, talvez tolo, para o “realismo mágico” do Gabriel García Marquez, quando no livro “O Aroma da Goiaba”, que releio tantas vezes, nas sua conversas com o escritor amigo Plínio Mendoza, diz que o racionalismo (cartesiano) dos franceses faz com que não compreendam a mistura do realismo com os eventos mágicos nos livros dele, “ o seu racionaismo impede-os de ver que a realidade não se limita ao preço dos tomates e ovos”

alberto disse...

sorry, gralha em racionalismo