Para não esquecer...

CENSURA OU IMPEDIMENTO DE UM CRIME?

Censura ou impedimento de um crime?
Penalistas ajudam a esclarecer.

Começo com uma declaração de interesse: José Sócrates,

[ainda]
primeiro-ministro de Portugal, irrita-me. Como cidadão, como português, como contribuinte sinto um profundo desdém pela forma sinuosa como este homem se tem conduzido e conduz os destinos do meu país. Em tempos, confesso, fiz enorme esforço no sentido de acolher as teses da conjura, da intriga, da campanha negra, da insídia, da maledicência contra a sua pessoa, que o próprio incansavelmente denunciava. Gastei nisso energia bastante; analisei argumentos, contra-argumentos e sujeitei alguns deles à difícil prova da verificabilidade. Pela lógica, cedendo à intuição, seguindo a experiência, conversando, testando a possibilidade de uma obnubilação pessoal, fui procurando indícios do meu “erro” e da forma “injusta” como poderia ter chegado a um julgamento tão exasperante dos seus actos e omissões. Não acolhi a única via que me colocaria, por certo, do lado da criatura: a fé. Porque a fé não admite dúvidas, não acolhe perguntas, não alimenta suspeitas. Será também esse o único itinerário que me permite compreender que tantos dos seus correligionários, apesar de tantas e tão graves falhas, continuem a vê-lo impoluto guardião de uma capoeira onde ele é a principal raposa.
Desde o curso de engenharia, que se tornou, até para um seu desqualificado ministro, motivo de troça proverbial, passando pelo inglês técnico, feito por fax, pelas quatro “cadeiras” sujeitas (?) a exame pelo mesmo professor, pelo diploma passado ao Domingo; pelo encerramento da Universidade que o diplomou, pela rasura em documento oficial na AR, tudo bastante mal explicado, diga-se em abono da verdade, não da verdade intangível e absoluta, mas da verdade dos factos. Depois surgiu o ainda não convenientemente esclarecido aterro da Cova da Beira; os apartamentos burilados nos offshores, a assinatura dos projectos de arquitectura no Concelho da Guarda; o mal explicado caso “Freeport” e last but not least, o famoso e singular caso das escutas, qual happy end, catapultando para o fundo figuras gradas da justiça que publicamente se desentendem num passa culpas insuportável.

Pinto de Sousa, uma vez mais, de forma despudorada, vem reclamar contra o desrespeito de uma formalidade: a publicação das escutas constitui um crime assente na violação do segredo de justiça e, por isso, o seu valor é nulo. Preferia que o primeiro-ministro do meu país desmentisse o que as escutas alegadamente contêm e não se refugiasse no incumprimento, naturalmente grave de uma formalidade, mandando às malvas a substância intolerável que as mesmas acolhem. Também aqui fui à procura de outras explicações para a dúvida subsistente: o primeiro-ministro, escutado no processo “face oculta”, não responde, ao menos politicamente, só porque as escutas estão feridas de nulidade, embora existam indícios de alegadamente os actos terem sido praticados? O JN de 12 de Fevereiro foi à procura do entendimento e ao contrário do que o título pode fazer crer, só um penalista acolhe resquícios da tese socrática; os outros são a favor da divulgação e, não havendo desmentido, da queda eminente ou da justificação, se ainda existir, urgente. Vejamos:
Penalistas divididos sobre providência
Censura judicial prévia ou o impedimento de um crime?
gina@jn.pt

Um acto de "censura judicial inconsti­tucional" e “judicialmente inadmissí­vel” ou a defesa intransigente do se­gredo de justiça. Penalistas ouvidos pelo |N dividem-se em relação à pro­vidência cautelar interposta para im­pedir a publicação, hoje, do “Sol”.

Para Jónatas Machado, profes­sor de Direito na Universidade de Coimbra, o que está em causa é uma "gravíssima violação do di­reito à liberdade de expressão" e uma "censura político-administrativa judicial" que pretende tra­var a publicação de notícias e a discussão de assuntos “de mani­festo interesse público”. Neste caso, a divulgação de escutas te­lefónicas que, alegadamente, pro­vam o envolvimento do primeiro-ministro num plano de controlo da comunicação social.

Na óptica do professor, trata-se de uma matéria de “manifesto in­teresse público”, pelo que a inter­posição de uma providência cau­telar por parte de um dos visados "é uma forma de censura judicial prévia, que é inconstitucional". No livro “Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera Pública do Sistema Social", defende que a intervenção prévia deve restringir-se a casos de "vio­lação grave, intolerável e irrepa­rável dos direitos de personalida­de”, não sendo aplicável quando estão em causa assuntos de "inte­resse público relevante", como en­tende ser o caso.

“Não podemos ficar distraídos com 'questõeszecas' como o se­gredo de justiça e a defesa do bom nome e da reputação", diz Jónatas Machado, lembrando que já há ca­sos anteriores em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deu razão a jornalistas que tinham sido condenados em Portugal por violação do segredo de justiça. "Infelizmente, os nossos juízes são reincidentes a atentar contra a liberdade de expressão”, lamenta.

Também Paulo Pinto de Albu­querque considera que "qualquer medida restritiva da liberdade dos jornalistas é ilegal e judicialmen­te inadmissível". O professor na Universidade Católica não tem dúvidas de que esta decisão vai "acabar por gerar responsabilida­de civil para o Estado português" com "mais uma condenação" no Tribunal Europeu. O penalista en­tende que as jornalistas do "Sol" "não cometeram qualquer crime", porque "agiram de forma justifi­cada, ao abrigo dos direitos da li­berdade de Imprensa e do exercí­cio da profissão de jornalista".

Recusando esta visão, Germa­no Marques da Silva, também da Católica, insiste que a providên­cia cautelar "não atenta contra a “Liberdade de Imprensa”. O pena­lista lembra que “não há direito nenhum que não tenha limites”.

A “ponderação" do juiz tem de ser feita em função de cada caso. Estando em causa o crime de vio­lação do segredo de justiça, Ger­mano Marques da Silva entende que o juiz tem de escolher "o mal menor”.
[JN, 12 de Fev 2010]

escrito por Jerónimo Costa

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