Para não esquecer...

EXPIROU O PRAZO DE VALIDADE

O cerco vai-se fechando , ou porque “Expirou o prazo de validade”, ou “Porque sim”. Razões não faltam. Mas para quê catalogá-las? Freitas Cruz e Óscar Mascarenhas, ambos no JN,

[o tal que aparece alegadamente sob controlo nas escutas],
vão fazendo futurologia eminente. Quanto mais depressa melhor, até para o próprio.


Expirou o prazo de validade

Certamente nem o mais radical dos pessimistas deste país seria capaz de prever os lamentáveis contornos da semana terrível que acabamos de viver.

Fosse Portugal um país normal e estaríamos todos derrotados e sem outros horizontes para além da vergonha. Mas não somos um país normal: temos um fim-de-semana de Carnaval e futebol, cinema e "shopping", com almoço fora de casa e encerramento numa qualquer "volta dos tristes".

O que passou sobre as nossas cabeças, qual "tsunami" ainda há poucos anos inimaginável, não nos tirará o sono: estamos demasiadamente anestesiados e em declarada crise de valores para que os factos (alegados segundo a prudência em voga…) nos incomodem. Mas não era indispensável juntar uma crise política à económico-financeira.

O primeiro-ministro de Portugal, convidado a comentar as notícias que o envolvem (alegadamente, já agora…) em manobras inadmissíveis de interferência para controlar uma Televisão e vários outros órgãos de informação, não só nega os esclarecimentos que seria sua estrita obrigação prestar, como afirma que as tais conversas são assuntos privados.

Fala, até, de infâmia e crime para se referir às notícias: conforme já sabemos desde o velho Eça de Queirós, fazer a maldade não é mau, mau é que se saiba publicamente. Por isso se elimina o mensageiro: método difícil e arriscado (além de execrável), mas infelizmente compensador.

Ora, mesmo abstraindo do já longo histórico da péssima relação de José Sócrates com as opiniões de que não gosta, isto produz o retrato indiscutível de um político que, nas funções que desempenha, perdeu definitivamente o prazo de validade.
Só falta saber quando vai ser informado disso por quem pode (e deve!) fazê-lo.
[JN, 14 de Fev 2010]


MANIFESTOS & EXAGEROS

A sina de Pig-Pen

Charles M. Schulz, o criador dos Peanuts, concebeu, em 1954, uma nova personagem que, inspi­rada numa outra de O Deus das Moscas, de William Golding, “nunca teve nome”. Era apenas co­nhecido por Pig-Pen. Pig-Pen é um menino sempre sujo, move-se numa nuvem de poeira, fica instantânea e surpreendentemente sujo mal sai do banho, mas garante: “Estou sujo mas tenho pensamentos limpos.”

Sentimos ternura por ele, vemo-lo ví­tima da sujidade indesejada – mas pensa­mos duas vezes se o sentaríamos ao colo...

Assim sucede na política, quando alguém – por razões não importa se certas se erradas – colhe um estigma indelével. É indelével para a vida. Mal olhamos para a pessoa – logo surge a nu­vem de poeira, a chancela infamante, nada a fazer.

Nesta matéria, por culpas próprias e/ou alheias, José Sócrates atingiu o ponto de não retorno. Está den­tro da nuvem de Pig-Pen e dela não pode sair. Pode ter episódicos banhos de lindeza nas suas esmagadoras e consecutivas vitórias em facúndia parlamentar, mas mal acaba o encanto, lá retorna a nuvem.

Sócrates é agora um fardo. É justo ou injusto o que lhe está a acontecer? É irrelevante. Está a acontecer. Ele é o primeiro a não poder chorar pela injustiça, por­que é o retorno do bumerangue que lançou há cinco anos.

A filosofia política mais profunda a que José Sócra­tes conseguiu chegar foi a de que não interessam as acções praticadas, mas a imagem que delas ficam – e que os fins justificam os meios. Júpiter, quando que­ria perder os homens, enlouquecia-os primeiro. Só­crates lançou-nos num outro desvario, o de nos voltar uns contra os outros.

Há cinco anos que andamos a odiar-nos: aos juízes, aos funcionários, aos jornalistas, aos professores, a estes e àqueles, tantos que nem sei se também entram os frades e os monges neste rol de fel movido por uma in­veja instilada pelo “agarra que é privilegiado”.

(O aprendiz Paulo Portas anda a treinar este jogo de injectar ódio entre os que têm ou não o rendimento mínimo...)

Enchemo-nos uns aos outros de tanta poeira que já nem sabemos se ela está em torno do parceiro ou se se colou à nossa íris. Fala um juiz – desconfiamos, Fala um funcionário – resmoneamos – Fala um professor -rosnamos. Agora, fala Sócrates e acabamos a rilhar os dentes. Já nem sabemos porquê, nem precisamos. Porque sim já é uma boa razão.

Hora de sair. Se tiver a fidalguia de António Guterres, sai pelo seu pé.

Se não a tiver – cai. No exacto momento em que supostos amigos vão fingir agarrá-lo. “Oops… estava escorregadio", dirão. Como o Pig-Pen.
ÓSCAR MASCARENHAS jornalista
[JN, 15 de Fev de 2010]

escrito por Jerónimo Costa

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