Para não esquecer...

A BOJARDA

Soou como um estilhaçar arrepiante de cristais e porcelanas. O ministro erguera-se, colérico, olhando por sobre os óculos em pose de mestre-escola, fincou os punhos na bancada e verberou: «O que os senhores querem é money for the boys.»

A sala petrificou-se de estupefacção. Estava a discutir-se a possibilidade de uns dinheiros a mais para os presidentes das Juntas de Freguesia - e o ministro sai-se com uma bojarda daquelas!

Boys, os presidentes de Junta? Na democracia portuguesa, as Juntas de Freguesia ainda constituem preciosas ilhas de carolice e de devoção à terra e às populações, sendo numerosas as equipas liderantes formadas à revelia dos partidos e avessas a correias de transmissão.

Escolheu mal, muito mal, o ministro, o alvo da sua patacoada, denotando uma boçalidade em matéria de atenção política e cívica que não se conceberia num homem até agora respeitável.

Mais grave e mais fundo do que essa tirada de almocreve letrado é, porém, o topete que se apodera dos governantes portugueses de julgarem poder verberar os deputados na Assembleia da República.

Não percebem os ministros e primeiros-ministros que o Parlamento é o local de onde colheram a sua legitimidade e o espaço exacto em que os seus actos e estratégias vão a escrutínio: é ali que respondem, não é ali que perguntam, muito menos admoestam.

A ver se me explico por meio de um desenho: façam os senhores governantes, presentes, passados e aspirantes, um quadradinho a meio de uma folha papel dentro do qual escrevam POVO. Já está? Agora, pensando em «soberania popular», essência da república, queiram colocar um quadradinho com a palavra DEPUTADO: acima ou abaixo do POVO?

(Iria jurar que muitos deputados terão visto, pela primeira vez, preto do lápis no branco do papel, o que nunca imaginaram: o deputado abaixo do povo! Mas é verdade: o povo é o patrão e o deputado empregado - atenção, pois, ao respeito.)

Agora já é fácil, mas deve custar a engolir aos governantes, colocar a palavra GOVERNO. Pois. Aí mesmo. Abaixo do deputado, de cuja autorização ele emana, e este abaixo do povo.

O governante que no Parlamento repreende deputados está a abusar da sua posição, não tem legitimidade para tal, está a usurpar. Se quer criticar um deputado, faça-o fora daquele lugar e no estatuto de um cidadão. Lá dentro, ouve e explica-se - e deixa que os seus partidários polemizem com quem os criticar.

Não se trata de aprenderem a humildade democrática - o que nem lhes faria mal. Trata-se tão-somente de saberem qual é o seu lugar.
[Óscar Mascarenhas,Jn]

escrito por Jerónimo Costa

1 comentário(s). Ler/reagir:

Duque de Lafões disse...

Claro que se neste governo houvesse alguma dignidade este ministro seria imediatamente demitido.

Claro que não é porque o chefe aunda tem um nivel ainda mais baixo que este javardo