Para não esquecer...

EX-CITAÇÕES * 92. a angústia do dia-a-dia

…li num jornal uma afirmação do Presidente da República que me encheu de alegria por ir ao encontro do meu pensamento: “Eu compreendo as pessoas, as notícias criam-lhes angústias em relação ao futuro”, afirmou. É isso mesmo, pensei. Mas na notícia o Presidente acrescentava: "É muito gratificante a proximidade que tenho mantido com os portugueses”. Reli a frase e a minha preocupação aumentou, comecei a suar (…) e a espirrar com alergia, senti as minhas defesas a enfraquecerem. Ao meu lado, também a fumar, estava um homem de chapéu, o tipo de sujeito que põe o chapéu em cima do coração quando passa a bandeira nacional, pensei. Dirigi-me a ele e perguntei-lhe se sabia que o nosso Presidente da República tem mantido uma maior proximidade com os portugueses. Ele não percebeu, pediu-me para repetir a pergunta e eu perguntei-lhe se ele tinha lido o jornal. Ele acabou por me dizer que não lia o jornal há vários dias e que nunca tinha visto o Presidente PESSOALMENTE.
Voltei a ler a frase e pensei: o Presidente fala pouco e quando o faz em momentos de crise diz em geral coisas óbvias na suposição de que ditas por ele (e não por outra pessoa qualquer) têm um peso maior. O facto de constatar que as notícias criam angústias em relação ao futuro é muito positivo. Mas eu não sinto essa proximidade que Cavaco Silva diz que tem mantido com os portugueses, e o Presidente é um homem de bem, não ia mentir a este respeito. Eu não só não sinto essa proximidade como não conheço ninguém que a sinta. Que portugueses serão esses? Perguntei-me. O erro deve ser meu e das pessoas que conheço. O erro só pode ser nosso, tenho de falar com esses meus conhecidos, debater a questão com eles (…).
O que eu sinto na realidade, e não se trata de nenhuma paranóia, é a crise_ da justiça, do deficit público, do estado social, além de outras_ em forma de ameaça e medo a entrar pela porta de casa.
E todos sabemos que pessoas assustadas e desmoralizadas são mais fáceis de governar.
[Jacinto Rego de Almeida]

escrito por Gabriela Correia, Faro

0 comentário(s). Ler/reagir: