[JN, 17 de Janeiro de 2011]O casaco fofinho
A velhota declina nome completo: «Maria de Fátima da Conceição Pereira.» O candidato, de passagem por Ponte de Lima, experimenta a textura do casaco da idosa: «É... é fofinho», elogia. «Pois é, é fofinho», concorda Maria de Fátima, para logo lhe dizer ao que vinha: «A ver se o Senhor Cavaco me arranjava qualquer coisinha, eu precisava de um bocadinho de reforma...» Alguns riem-se. A mulher olha descoroçoada para o candidato: «Não percebe...»
Cavaco Silva puxa a mulher por um braço: «Esta é a minha senhora. Esta senhora trabalhou praticamente a vida toda.» Maria de Fátima contrapõe, com voz sumida: «Também eu...» O candidato nem a ouve. Tem uma arenga para despachar, não pode perder a oportunidade: «Sabe qual é a reforma dela? Não chega a 800 euros por mês. Foi professora em Moçambique, em Portugal, mas ainda ninguém descobriu, em Portugal, a reforma da minha mulher. Portanto depende de mim, tenho de trabalhar para ela. Mas como ela está sempre ao meu lado e não atrás, merece a minha ajuda.»
Maria de Fátima vê assim «indeferido» o seu pedido de ajuda. Pudera! Quem a manda ir 'atrás' - e não 'ao lado' do candidato?...
É visível que as muitas dúvidas que têm sido levantadas acerca dos negócios de Cavaco Silva o deixaram de asa ferida e este choro sobre a reforma da mulher é o contra-ataque aos que lhe movem a «campanha suja». Mas contra-ataque vesgo e bisonho que não o deixa mais limpo, pelo contrário.
É pequena a reforma da senhora professora? Há três explicações para isso: ou os professores ganham muito mal - o que não consta; ou a senhora não trabalhou, afinal, «a vida inteira» e está a receber uma fracção proporcional ao tempo de serviço efectivo; ou o cálculo das pensões é um roubo ao trabalhador - coisa que nunca se ouviu Cavaco Silva denunciar em dez anos de primeiro-ministro e cinco de Presidente - mas não percamos a esperança, que ainda falta uma semana de campanha onde vale tudo, até promulgar os cortes salariais de Função Pública e
sair à rua a clamar que é uma injustiça, que muitos ricos ficaram de fora!Como pode um candidato-presidente, perante uma modesta velhinha que teve a infeliz ingenuidade de lhe pedir ajuda na rua, queixar-se de que a mulher tem uma reforma pequenina - e que tem de ser sustentada por si, porque «merece»? Quantas piscinas municipais de chá precisa um homem destes de beber antes de ser digno do lugar que ocupa?
Vá-se lá embora em paz, senhora Maria de Fátima. Vai mais aconchegada no seu casaco fofinho do que com as lamúrias do «senhor Cavaco»
escrito por Jerónimo Costa
2 comentário(s). Ler/reagir:
Por muito que lhe custe a si e outros tantos como você, o lugar que ocupa deve-se ao voto do povo - que eu saiba... não voto nele, nem em qualquer outro, mas não podemos estar a elogiar a democracia - mesmo que não gostemos dela - para a seguir, quando os eleitos não são do nosso gosto, fazer tudo para os denefrir, já que não podemos pura e simplesmente destitui-los do lugar... convém ler o contrato social do Rousseau para entender melhor os supostos "benefícios" da democracia electiva.
aliás para aquilo que rtepresenta o presidente em Portugal não se justifica uma eleição directa, que para mais é demasiado dispendiosa.
o resto são artifícios da campanha, este tem destas tiradas, o Coelho tem outras, os médicos idem, idem e o Alegre critica o conservadorismo do Cavaco face ao lugar da mulher na sociedade e embora se faça acompanhar pela respectiva esposa, nunca a ela se lhe ouviu o tom de voz, não será estranho? Ou a senhora é muda?
Enfim, estão bem uns para os outros e todos para os portugueses que neles votarem.
viva a democracia que nos levou á presente miséria... e estes actores que nos governaram desde 1974 até agora
Como se antes de 74 não tivesse havido actores ainda melhores do que estes. Não, nessa altura eram todos puros. Veja-se os discursos de Salazar e Cª. E os cortes de fitinhas, e etc.
MC
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