Para não esquecer...

FERNANDO PESSOA METIDO NA CAMPANHA

E se... voltássemos a ler F. Pessoa, importam-se?

«A mocidade de hoje viu, além disso, que os libertários, os socialistas, os democratas a arder em amor pelo povo, acabavam na concussão e no peculato, no uso, nas suas relações com o povo, da polícia e do exército. E, como esta experiência é a última, a mocidade de hoje lembrou-se de concluir que a realidade vale mais que as boas intenções, que é inútil pregar boas doutrinas se apenas as más podem vingar. Mais vale, pensaram eles, que se defendam, desde logo, as doutrinas antipáticas. Por mim, acho preferível defender, como algum dia farei, com a devida argumentação sociológica, que é mais legítimo que os políticos roubem e espoliem o povo, do que roubar e espoliar o povo chamando a essa atitude “governo popular”, “democracia”, “liberdade” e outras coisas assim.

O amor à verdade substitui, na mocidade de hoje, o amor à mentira, ainda que generosamente encarado, que caracterizava a mocidade de ontem e de antes de ontem. De nada serve servir a mentira, por generosidade que seja. O anarquismo, o socialismo, o democratismo — todo esse lixo de teorias simpáticas que se esquecem de que teorizam para a humanidade de carne-e-osso — foram divinizações da mentira. E foram essa coisa a que Carlyle chama a pior espécie da mentira — a mentira que se julga verdade. Não foram o erro, que é admissível. Foram a mentira inconsciente. Qualquer erra. Mas não todos mentem inconscientemente.»
[1918?]

[Ultimatum e Páginas de Sociologia Política. Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução e organização de Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1980, p. 51.]

escrito por Jerónimo Costa

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