Olhando da esplanada que lhe fica ao fundo para o teatro, ela proclama, agitando o silêncio sonolento da tardinha:
-- Isto foi obra do Z. V., não foi?
O marido, septuagenário sereno, gozando placidamente a sanduíche de queijo e o galão, respondeu com um monossílabo inaudível.
Ela insiste: olha, que foi. Isto, e a Universidade…
Estive vai-não-vai para a elucidar e esclarecê-la: “ isto” fora obra do arquitecto Gonçalo Byrne, e de todos os trabalhadores anónimos, o mais provável, oriundos de Leste. E africanos.
Que há uma placa no interior do edifício, dando conta do ano da inauguração e das entidades consideradas importantes. Para que a memória se não perca.
Mas só alguns saberão que a sua feitura se deve a um plano do Ministério da Cultura
(o que é isso?)de dotar todas as capitais de distrito com um teatro, digno desse nome. Seja lá o que isso for.
E assim decretou o ministro Manuel Maria Carrilho, aproveitando o dinheiro dos fundos comunitários. Quand même!
Não admira, por conseguinte, que seja hoje consensual (?) ter sido este o melhor ministro da cultura, que os íncolas deste rincão debruçado sobre o mar, tiveram.
Não admira que autarcas que pouco fizeram, pois outras mentes e mãos agiram nos seus “reinados”, se voltem a candidatar, confiando na fraca memória dos seus munícipes. E, sobretudo, na memória distorcida de muitos, favorecendo-os. Aos candidatos, bem entendido.
O nome dos trabalhadores, tal como o de outros fautores, é que nunca figuram em lado nenhum. Já era assim no tempo das caravelas.
Não admira
(estou mesmo desadmirada)que no primeiro verso dos Lusíadas, a gesta heróica de todos nós, os havidos e os a haver, a palavra varões tenha “evoluído” para barões. Quem foi o esperto?
E ainda há quem se admire que os íncolas lusos não se ralem por aí além com o seu património histórico: material e imaterial!...
escrito por Gabriela Correia, Faro
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