Para não esquecer...

AINDA OS LIVROS (3)


Que o livro é o meio, por excelência, de aprendizagem, não tenho dúvidas. Mas que se lê pouco, pelo menos em Portugal e, lá fora, o panorama não é muito melhor, também é verdade. É certo que comparar os índices de leitura que podemos constatar entre os ingleses com os portugueses, é confrangedor. Um dia, fui a um hotel, na Altura, Algarve. Na piscina havia cerca de quinze turistas ingleses. Treze estavam a ler e dois estavam dentro de água. Há um mês, fui à biblioteca de Vila Real de Santo António. Enquanto esperava, fui ao primeiro andar. Estavam dezassete pessoas. Quatorze estavam nos seus portáteis, sem qualquer livro à vista, dois liam revistas da moda e uma lia um livro.

A maior e mais frequente desculpa para não se ler, por parte dos que nunca lêem, é a de que os livros estão caros. Sabem que não é verdade. Os livros editados pelos jornais são baratíssimos, as bibliotecas não cobram pela requisição e, no entanto, os níveis de requisição e de leitura são baixíssimos.

Mas, quanto a custos... Façamos as contas a um livro vendido a 10,00€. 60% são para a distribuição, 10%, para direitos de autor, 0,58% IVA, 15% tipografia. Temos, portanto, 85,58%, só aqui. Agora somem-se as ofertas, promoção, sobras e proventos do editor...

Sendo o livro o objecto cultural mais importante, não quer dizer que ele se vá manter no suporte em que hoje o conhecemos. Estou convencido de que o suporte digital vai ser, dentro de poucos anos, o meio por excelência de divulgação do livro. Não vejo outra hipótese. O livro digital apresenta desde logo muitas vantagens: espaço ocupado (tenho um armazém de 52 m2 com livros), conservação (ainda que aqui se possa questionar a degradação ou desactualização dos meios de suporte), facilidade de transporte e de manuseamento (um Kindle alberga mais de mil livros), ausência de parasitas (tenho algumas dezenas de livros ruídos), higiene (continuo relutante na aquisição de livros de segunda mão, ainda que os tenha) e, em breve, também o preço, sendo que este me parece excessivo para o livro digital.

Quando Santo Ambrósio começou a ler em silêncio, sem mexer os lábios (pasme-se o prodígio), Santo Agostinho seguiu-lhe o exemplo e espantou o mundo. Mas se tal constituiu uma técnica inovadora, ela deu origem a uma revolução do próprio pensamento. A leitura isolada e silenciosa permitiu interpretações dos textos sagrados que contribuíram também para autênticas revoluções. Mas o que é certo é que, apesar da importância do livro ser inequívoca e ter em mim um devoto, também se verifica que alguns dos mais influentes homens de todos os tempos não escreveram uma linha (Jesus Cristo e Sócrates, o grego. O outro também não, mas não teve importância). E tenho amigos, que muito estimo, leitores ferozes, que nunca escreveram um livro e têm tido uma grande influência em mim e não só (Paulo Custódio, por exemplo).

Embora o livro seja tudo para mim, apetece-me dizer, com Agostinho da Silva, que em Roma só se falava latim, mas havia muitos ignorantes. Ora eu conheço muita gente que lê desalmadamente e são militantemente ignorantes. Outros, por outro lado, não lendo ou fazendo-o pouco, são de uma erudição e inteligência espantosas (neste caso o nosso António Gomes).

Sobre o livro, é o que se me oferece dizer e, como diria o amigo Quim, "sou desta opinião ou da contrária se necessário for", basta que haja quem tenha opinião diferente e eu concorde.

PS: Livros.
  • MANGUEL, António. Uma História da Leitura, Editorial Presença, Lisboa 1998
  • FURTADO, José Afonso. A edição de Livros e a Gestão Estratégica, Bookailors, Lisboa, 2009
  • FURTADO, José Afonso, Os Livros e a Leitura: Novas Ecologias da Informação, Livros e Leituras, Lisboa, 2000.
As citações são de memória, mas atribuídas a George Steiner.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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