Para não esquecer...

LEIT(e)URAS [59] a república


Campos Monteiro terá sido um médico e monárquico que escreveu uma bem humorada crónica dos últimos tempos da 1ª República. A coisa não era muito diferente do que temos assistido hoje.
Por exemplo, a indicação do Ministro da Instrução e Negócios Estrangeiros:
– Então você vai indicar para ministro da Instrução um homem que não tem exame de instrução primária?  
- O João Camoesas poucos exames tinha, e fez um bom lugar – respondia o interpelado.
- Mas, Doutor Paulo, ministro dos estrangeiros, um homem que fala apenas a língua portuguesa, e mal! 
- Vocês verão como ele se faz compreender, por mímica, por todos os embaixadores. Tem às vezes gestos tão expressivos!

E é neste tom divertido que o Dr. Campos Monteiro nos vai relatando as peripécias do estertor da 1ª República. Julgo que ele exagera, mas é uma crónica bem-humorada.

Diz ele que
já Guerra Junqueiro asseverava que n´este doce paiz á beira-mar plantado se não inutilizava um politico nem correndo-lhe por cima um cilindro de estrada. (pág. 177)
Haverá semelhanças com os tempos de agora?

Transcrevo aqui a passagem relativa a António Sérgio (esse mesmo, o dos ensaios…)
o perceptor e guia de todos os seus colegas, com mais preponderância no ministério que o próprio José Domingos [presidente do governo], era António Sérgio. Singular figura esta, simpática pelo talento e faculdades de trabalho, mas irritante, enormemente rebarbativa pela vaidade desmedida e pelo seu doentio anceio de originalidade e supremacia intelectual! Se um critério definido, e desviado de uma sã orientação filosófica, serviram-lhe a inteligência e a memória para encher o craneo de teias de aranha, - uma rede inextricável de teorias a que pedantescamente chamava «humanismo crítico» como podia chamar-lhe outra coisa. E a convicção de ser ele o único homem inteligente n'um paiz de estupidos enchera-o de uma filáucia ridícula, levando-o a pontificar ex-catedra e a impor as suas opiniões com uma embófia de brahamane senhor dos profundos mistérios do Rog-Veda (pág 175-176).

Há aqui algum despeito, mas o clima geral é bem disposto e dá-nos a sensação de déjà vu. Por exemplo, após a vitória da revolta, a tropa foi toda promovida dois postos. Resultado: em Lisboa passou a haver 10 000 sargentos e nenhum soldado...

Procurem. Este emprestaram-me, mas já o vi a 6€ e a 18…
(há várias edições. Esta é a mais interessante. Nas transcrições mantive a pontuação e a grafia do livro citado).
escrito por Carlos M. E. Lopes

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

as semelhanças são totais: políticos incompetentes, compadrio, amiguismo... a única diferença apesar de tudo substancial é que o estado sustentava um rol muitíssimo menor de políticos e indigentes da política, e isso para as finanças públicas faz toda a diferença. o resultado todos sabemos qual foi... o que já teria sido se não estivéssemos "protegidos" pela abominável Europa.
Só mais uma nota: o Sr Camoesas por acaso era médico coisa grande na época, e por acaso, quando foi ministro do Instrução Pública mandou publicar um anteprojecto de reforma educativa que, a ser implementado teria posto Portugal no bom caminho educativo. Mas não foi... tivemos que esperar pelo início dos anos setenta, o interesse do sr Marcelo Caetano e a sabedoria do sr Veiga Simão para tentar apanhar o pelotão da educação na europa - mas já estávamos a partir muito de trás.
Ao longo de muito tempo fez-se pouco, mas o sr Salazar mandou construir uma escola em quase todas as aldeias, bem como liceus nas capitais de distrito e parece-me que ainda iniciou a telescola.