Para não esquecer...

DO CONTRA [107] a bíblia e adão e eva

["Adão e Eva no Paraíso", de Paul Rubens e Jan Brueghel, o Jovem]

Diz a Bíblia, infinita fonte de saber, que a Eva foi seduzida por uma serpente a comer do fruto da sabedoria e, depois, ela seduziu Adão, que estava a leste disto tudo. E vai de lá Deus, que tinha proibido Adão e Eva de comer o fruto da árvore que estava no meio do Éden para não conhecer o bem e o mal, amaldiçoou um e outro e obrigou ela a padecer na gravidez e ele, a trabalhar. Tout court.

Um dos efeitos de comerem o fruto
(maçã, romã?) 
foi de se verem nus e terem vergonha
(de quê, não se sabe). 
O homem
(Deus) 
não se conteve e proferiu uma sentença ou decisão semelhante ao juiz Matateu de Loulé (*): atingiu a família e, no caso de deus, as gerações futuras
(tal como a tróica...):
“com o suor do teu rosto comerás o pão pois és pó e ao pó voltarás”. Um inferno, desejou Deus.

Há uma passagem interessante que mostra a consideração que o homem (?) tinha pelas mulheres. Adão é condenado “porque deste atenção à tua mulher e comeste da árvore proibida”... Este Deus é do caraças...

(*) O juiz Matateu, nos anos sessenta, em Loulé, mandou prender a mulher de um cigano que ousou falecer a oito dias de ter cumprido a pena...
escrito por Carlos M. E. Lopes

6 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Os mitos fundadores - sejam do cristianismo, do paganismo, do induísmo, do judaísmo... não são para levar à letra.
O tempo do temor e tremor associado à prática religiosa já lá vai há muito no ocidente e em Portugal.
Pena é que ainda se comentem as passagens simbólicas dos textos sagrados com uma hermenêutica anti cristã, ou anti teísta.
basicamente hoje o lado de lá usa exactamente os mesmos truques que as religiões usavam: elas interpretavam pelo medo das penas futuras, hoje interpreta-se de forma ridícula como se aquilo que lá está significasse o ridículo com que o interpretam.
Além do mais até hoje - e já lá vão muitos séculos depois de inventarem a escrita -, poucas ou quase nenhumas são as narrativas que tenham um valor literário e poético ao nível destas. Aliás o seu valor é tão marcante que os melhores textos da história da literatura acabam por ser ou uma reacção a eles, ou o seu complemento.
É claro que resta sempre a outra literatura e a outra poética: aquele que repetindo lugares comuns insiste em colocar no centro da polémica um discurso que já ninguém - ou quase ninguém - no ocidente é claro, está disposto a aceitar. Ou seja, aquela que se dirige aos ignorantes, mesmo que muito letrados.

Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a,

Vou comentar o seu comentário, mesmo não sendo o autor do texto: deixo para ele a hipótese de se "defender" dos seus ataques, que não são menos violentos por serem "subtis". Também deixarei entre parêntesis opiniões suas expressas "en passant" e com as quais estou em desacordo.

Interessa-me agora a recorrente distinção entre interpretações literal e poética dos textos sagrados. Considero que essa distinção não resiste a uma análise imparcial e distanciada da repetição de chavões. Avanço apenas dois motivos de reflexão que podem esclarecer o que penso.

1. O que é que devemos (e o que é que não devemos) interpretar como símbolo? Porque, convém recordar, há "coisas" que antes eram (dou de barato que já não são) interpretadas, também no Ocidente e no Portugal do cristianismo/catolicismo, literalmente e agora são (dou de barato que o são totalmente) entendidas como símbolo. E como devemos "comportar-nos" em relação às "coisas" que (ainda) não são interpretadas simbolicamente? Que garantias temos de que o não serã, futuramente? Tome o/a anónimo/a o caso da transubstanciação, se quiser um exemplo.

2. E depois... a estória de Adão e Eva é "símbolo" de quê? Será símbolo da inferioridade e da sagacidade pecaminosa da mulher -- imagem que é, para efeitos... efetivos, ainda literalmente entendida assim, para a Igreja Católica? Tome o/a anónimo/a o caso do (não) acesso ao sacerdócio, se quiser um exemplo.

Só uma nota final, de menor importância: não considero que a "narrativa" de Adão e Eva tenha "um valor literário e poético" de um "nível" extraordinário. Se quisermos um exemplo de uma alternativa equivalente mas com bastante mais "valor literário e poético", o mito de Pandora "ganha-lhe aos pontos".

Anónimo disse...

Não sei o que vai ser o futuro como é natural. Mas sei uma coisa: o sentimento religioso é tão antigo como a humanidade e enquanto houver um ser humano ele não morrerá, isso é um facto assente.
Não sou teólogo e por isso não discuto dogmas, veja bem que sendo crente/cristão nem os sigo e conheço-os mal.
referi-me apenas ao valor simbólico/poético/estético das grandes narrativas reconhecido por todos os grandes "historiadores" da literatura, Ítalo Calvino, H. Bloom... ou grandes intérpretes da História das Religiões, M Eliade, Delumeau... e mesmo os ditos escritores ateus, de que nomeio o Saramago - serviu-se do mito da Alegoria da Caverna e do episódio bíblico de Caim e Abel para mostrar a sua "mestria".
Admira-me que fique tão incomodado com o mito da criação de Adão e Eva e que veja nele um modo de rebaixar e humilhar a mulher, o que não surge da sua leitura literal, pois a mulher não só está ao nível do homem, como o supera, pois é pela sua astúcia que ele acaba por "pecar" - e lhe coloque ao lado outro mito fundador o de Pandora, cuja leitura literal é bastante mais depreciativa do papel da mulher na vida da sociedade. Compare a este respeito que se escreve nos textos do Novo Testamento - e mesmo o papel cimeiro de várias mulheres em alguns livros do Antigo Testamento com os testemunhos que os gregos nos deixaram sobre o mesmo tema.
O rebaixamento da mulher e a diminuição do seu papel no catolicismo não resulta directamente dos textos mas sim dos dogmas que a instituição religiosa impôs ou impõe aos seus fieis.
Mas você sabe muito bem que isso é uma apropriação dos textos que pouco ou nada tem a ver com o valor literário/simbólico/estético/poético dos mesmos. os textos devem ser lidos sem qualquer complexo, mesmo aqueles que são fundadores de religiões com as quais nos sentimos incomodados.

Ai meu Deus disse...

Caro anónimo,

Se a "matreirice" for critério de superioridade, então Eva (símbolo da mulher) é superior a Adão (ao homem). Mas para o cristianismo (ou antes, o catolicismo, que conheço melhor) essa é exatamente a característica que pinta a mulher como uma fonte de pecado (e da fonte de todos os pecados, o original) e, nessa perspetiva, nunca superior ao homem.

Nem sequer no Novo Testamento encontro a importância que refere; as mulheres, se têm papel, é secundário, se não servil. E vamos "esquecer" passagens tão significativas aquela em que São Paulo aconselha (ordena?) que as esposas sejam submissas aos seus maridos.

Estamos de acordo nisto: o mito de Pandora não apresenta uma imagem mais positiva da mulher -- embora me pareça que as imagens equivalem-se: em ambos os casos a fonte das nossas desgraças é a mulher, a curiosidade feminina. Não foi a isso que me quis referir (reconheço que o fiz de modo pouco claro), mas a outro aspeto do mito: o que afirma mais expressamente a esperança (que, recordo, ficou no interior da caixa).

[Só uma nota final, à margem: estes mitos, a mim, não me incomodam. Leio-os/interpreto-os -- e, quando há oportunidade e me apetece (como aconteceu agora), digo o que penso. A mesma atitude que tomo em relação a outros assuntos sobre os quais tenho opinião].

Anónimo disse...

Pois parece que estamos de acordo no essencial.
Só não encontra a superioridade das mulher no Novo Testamento se estiver habituado apenas ao discurso da Igreja Católica sobre os textos que pode ler na integra e interpretar por si mesmo. Relembro-lhe essa importância numa leitura afastada do dogma e da pregação: o papel central de Maria na vida e na morte de Jesus; o papel central de Maria de Madalena, a outra Maria de Magdala, a Marta, a personagem do poço e a que lhe perfuma os pés (das quais não estou a recordar o nome)Também quem anunciou a ressurreição foi uma mulher... e ainda outras.
Paulo, como sabe, quando ao discurso feminino é um caso à parte de uma dureza terrível, mesmo que alguns dos seus textos sejam o que de melhor a literatura produziu como a Iª Carta aos Coríntios (não sou eu que o digo, são os entendidos na matéria que apenas avaliam os textos e não a doutrina que deles se extraiu). Se ler uma biografia das muitas que existem sobre Paulo, de autores que escrevem livremente, sem respeitar os dogmas do cristianismo, verá que ressalvam o papel determinante de diversas mulheres na sua vida e no decurso da sua acção.

Anónimo disse...

Pois, podem esgrimir os argumentos teológicos, estéticos, ou outros, cotejando diferentes culturas e crenças religiosas sobre a condição feminina e o seu papel na sociedade (tanto a ocidente, como a oriente) que tudo se resume nesta história:
Um alentejano(mas podia ser beirão, algarvio, etc.) e um muçulmano sentam-se lado a lado num avião. Depois da descolagem chega a hospedeira, que pergunta ao alentejano o que é que ele deseja beber
_ Um copo de vinho tinto de Borba Reserva.
A hospedeira volta, solícita, e enche o copo do alentejano. Volta-se então para o muçulmano e pergunta-lhe o que ele deseja beber.
_ Eu prefiro ser raptado e selvaticamente violado por 12 virgens da Babilónia antes que uma única gota de álcool me passe pela garganta.
O alentejano que já começara a beber, engasga-se, e entrega o copo à hospedeira, dizendo
_ Eu também prefiro; não sabia era que se podia escolher! ...
E não me digam que estou a brincar com coisas sérias. Estou a falar/escrever muito a sério.
A burka ou 40 vítimas de violência doméstica, só este ano, em Portugal (e não refiro Espanha, ou outros países) deveriam fazer-nos pensar a todos: homens e mulheres. E não nos sentirmos superiores
Gabriela
P.S. Há igualmente outras violências psicológicas que são castradoras, e não só.
E não, não sou feminista (e se fosse?), nem me estou a armar em vítima, embora pudesse fazê-lo. Tive boas razões para tal.