["Adão e Eva no Paraíso", de Paul Rubens e Jan Brueghel, o Jovem]
Um dos efeitos de comerem o fruto
(maçã, romã?)foi de se verem nus e terem vergonha
(de quê, não se sabe).O homem
(Deus)não se conteve e proferiu uma sentença ou decisão semelhante ao juiz Matateu de Loulé (*): atingiu a família e, no caso de deus, as gerações futuras
(tal como a tróica...):“com o suor do teu rosto comerás o pão pois és pó e ao pó voltarás”. Um inferno, desejou Deus.
Há uma passagem interessante que mostra a consideração que o homem (?) tinha pelas mulheres. Adão é condenado “porque deste atenção à tua mulher e comeste da árvore proibida”... Este Deus é do caraças...
(*) O juiz Matateu, nos anos sessenta, em Loulé, mandou prender a mulher de um cigano que ousou falecer a oito dias de ter cumprido a pena...escrito por Carlos M. E. Lopes
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Os mitos fundadores - sejam do cristianismo, do paganismo, do induísmo, do judaísmo... não são para levar à letra.
O tempo do temor e tremor associado à prática religiosa já lá vai há muito no ocidente e em Portugal.
Pena é que ainda se comentem as passagens simbólicas dos textos sagrados com uma hermenêutica anti cristã, ou anti teísta.
basicamente hoje o lado de lá usa exactamente os mesmos truques que as religiões usavam: elas interpretavam pelo medo das penas futuras, hoje interpreta-se de forma ridícula como se aquilo que lá está significasse o ridículo com que o interpretam.
Além do mais até hoje - e já lá vão muitos séculos depois de inventarem a escrita -, poucas ou quase nenhumas são as narrativas que tenham um valor literário e poético ao nível destas. Aliás o seu valor é tão marcante que os melhores textos da história da literatura acabam por ser ou uma reacção a eles, ou o seu complemento.
É claro que resta sempre a outra literatura e a outra poética: aquele que repetindo lugares comuns insiste em colocar no centro da polémica um discurso que já ninguém - ou quase ninguém - no ocidente é claro, está disposto a aceitar. Ou seja, aquela que se dirige aos ignorantes, mesmo que muito letrados.
Caro/a anónimo/a,
Vou comentar o seu comentário, mesmo não sendo o autor do texto: deixo para ele a hipótese de se "defender" dos seus ataques, que não são menos violentos por serem "subtis". Também deixarei entre parêntesis opiniões suas expressas "en passant" e com as quais estou em desacordo.
Interessa-me agora a recorrente distinção entre interpretações literal e poética dos textos sagrados. Considero que essa distinção não resiste a uma análise imparcial e distanciada da repetição de chavões. Avanço apenas dois motivos de reflexão que podem esclarecer o que penso.
1. O que é que devemos (e o que é que não devemos) interpretar como símbolo? Porque, convém recordar, há "coisas" que antes eram (dou de barato que já não são) interpretadas, também no Ocidente e no Portugal do cristianismo/catolicismo, literalmente e agora são (dou de barato que o são totalmente) entendidas como símbolo. E como devemos "comportar-nos" em relação às "coisas" que (ainda) não são interpretadas simbolicamente? Que garantias temos de que o não serã, futuramente? Tome o/a anónimo/a o caso da transubstanciação, se quiser um exemplo.
2. E depois... a estória de Adão e Eva é "símbolo" de quê? Será símbolo da inferioridade e da sagacidade pecaminosa da mulher -- imagem que é, para efeitos... efetivos, ainda literalmente entendida assim, para a Igreja Católica? Tome o/a anónimo/a o caso do (não) acesso ao sacerdócio, se quiser um exemplo.
Só uma nota final, de menor importância: não considero que a "narrativa" de Adão e Eva tenha "um valor literário e poético" de um "nível" extraordinário. Se quisermos um exemplo de uma alternativa equivalente mas com bastante mais "valor literário e poético", o mito de Pandora "ganha-lhe aos pontos".
Não sei o que vai ser o futuro como é natural. Mas sei uma coisa: o sentimento religioso é tão antigo como a humanidade e enquanto houver um ser humano ele não morrerá, isso é um facto assente.
Não sou teólogo e por isso não discuto dogmas, veja bem que sendo crente/cristão nem os sigo e conheço-os mal.
referi-me apenas ao valor simbólico/poético/estético das grandes narrativas reconhecido por todos os grandes "historiadores" da literatura, Ítalo Calvino, H. Bloom... ou grandes intérpretes da História das Religiões, M Eliade, Delumeau... e mesmo os ditos escritores ateus, de que nomeio o Saramago - serviu-se do mito da Alegoria da Caverna e do episódio bíblico de Caim e Abel para mostrar a sua "mestria".
Admira-me que fique tão incomodado com o mito da criação de Adão e Eva e que veja nele um modo de rebaixar e humilhar a mulher, o que não surge da sua leitura literal, pois a mulher não só está ao nível do homem, como o supera, pois é pela sua astúcia que ele acaba por "pecar" - e lhe coloque ao lado outro mito fundador o de Pandora, cuja leitura literal é bastante mais depreciativa do papel da mulher na vida da sociedade. Compare a este respeito que se escreve nos textos do Novo Testamento - e mesmo o papel cimeiro de várias mulheres em alguns livros do Antigo Testamento com os testemunhos que os gregos nos deixaram sobre o mesmo tema.
O rebaixamento da mulher e a diminuição do seu papel no catolicismo não resulta directamente dos textos mas sim dos dogmas que a instituição religiosa impôs ou impõe aos seus fieis.
Mas você sabe muito bem que isso é uma apropriação dos textos que pouco ou nada tem a ver com o valor literário/simbólico/estético/poético dos mesmos. os textos devem ser lidos sem qualquer complexo, mesmo aqueles que são fundadores de religiões com as quais nos sentimos incomodados.
Caro anónimo,
Se a "matreirice" for critério de superioridade, então Eva (símbolo da mulher) é superior a Adão (ao homem). Mas para o cristianismo (ou antes, o catolicismo, que conheço melhor) essa é exatamente a característica que pinta a mulher como uma fonte de pecado (e da fonte de todos os pecados, o original) e, nessa perspetiva, nunca superior ao homem.
Nem sequer no Novo Testamento encontro a importância que refere; as mulheres, se têm papel, é secundário, se não servil. E vamos "esquecer" passagens tão significativas aquela em que São Paulo aconselha (ordena?) que as esposas sejam submissas aos seus maridos.
Estamos de acordo nisto: o mito de Pandora não apresenta uma imagem mais positiva da mulher -- embora me pareça que as imagens equivalem-se: em ambos os casos a fonte das nossas desgraças é a mulher, a curiosidade feminina. Não foi a isso que me quis referir (reconheço que o fiz de modo pouco claro), mas a outro aspeto do mito: o que afirma mais expressamente a esperança (que, recordo, ficou no interior da caixa).
[Só uma nota final, à margem: estes mitos, a mim, não me incomodam. Leio-os/interpreto-os -- e, quando há oportunidade e me apetece (como aconteceu agora), digo o que penso. A mesma atitude que tomo em relação a outros assuntos sobre os quais tenho opinião].
Pois parece que estamos de acordo no essencial.
Só não encontra a superioridade das mulher no Novo Testamento se estiver habituado apenas ao discurso da Igreja Católica sobre os textos que pode ler na integra e interpretar por si mesmo. Relembro-lhe essa importância numa leitura afastada do dogma e da pregação: o papel central de Maria na vida e na morte de Jesus; o papel central de Maria de Madalena, a outra Maria de Magdala, a Marta, a personagem do poço e a que lhe perfuma os pés (das quais não estou a recordar o nome)Também quem anunciou a ressurreição foi uma mulher... e ainda outras.
Paulo, como sabe, quando ao discurso feminino é um caso à parte de uma dureza terrível, mesmo que alguns dos seus textos sejam o que de melhor a literatura produziu como a Iª Carta aos Coríntios (não sou eu que o digo, são os entendidos na matéria que apenas avaliam os textos e não a doutrina que deles se extraiu). Se ler uma biografia das muitas que existem sobre Paulo, de autores que escrevem livremente, sem respeitar os dogmas do cristianismo, verá que ressalvam o papel determinante de diversas mulheres na sua vida e no decurso da sua acção.
Pois, podem esgrimir os argumentos teológicos, estéticos, ou outros, cotejando diferentes culturas e crenças religiosas sobre a condição feminina e o seu papel na sociedade (tanto a ocidente, como a oriente) que tudo se resume nesta história:
Um alentejano(mas podia ser beirão, algarvio, etc.) e um muçulmano sentam-se lado a lado num avião. Depois da descolagem chega a hospedeira, que pergunta ao alentejano o que é que ele deseja beber
_ Um copo de vinho tinto de Borba Reserva.
A hospedeira volta, solícita, e enche o copo do alentejano. Volta-se então para o muçulmano e pergunta-lhe o que ele deseja beber.
_ Eu prefiro ser raptado e selvaticamente violado por 12 virgens da Babilónia antes que uma única gota de álcool me passe pela garganta.
O alentejano que já começara a beber, engasga-se, e entrega o copo à hospedeira, dizendo
_ Eu também prefiro; não sabia era que se podia escolher! ...
E não me digam que estou a brincar com coisas sérias. Estou a falar/escrever muito a sério.
A burka ou 40 vítimas de violência doméstica, só este ano, em Portugal (e não refiro Espanha, ou outros países) deveriam fazer-nos pensar a todos: homens e mulheres. E não nos sentirmos superiores
Gabriela
P.S. Há igualmente outras violências psicológicas que são castradoras, e não só.
E não, não sou feminista (e se fosse?), nem me estou a armar em vítima, embora pudesse fazê-lo. Tive boas razões para tal.
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