Para não esquecer...

hoje é sábado 309. ROTINA

A David Mourão-Ferreira

No entanto, aqui, no meio da cidade
(Grande, tão grande!) aquela rua existe,
Anónima, talvez, como a verdade
E bela como tudo quanto é triste.

As casas não são muitas. O quintal
Ostenta o luxo, apenas, de uma grade.
Na esquina, as letras dizem sobre a cal:
Rua da Paz ou Rua da Saudade.

Certo dia, em Paris, pensei na rua
Onde, afinal, mais tarde vim morar.
Foi como lembrasse a própria Lua
Ou mesmo um barco, ao longe, no alto-mar…

E é dessa solidão que necessito,
Estúpida, sem dúvida infeliz.
Silêncio imóvel, traduzindo o grito
Que me condena a amar o meu país!
[Mello, Pedro Homem de, Poesias Escolhidas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa 1983, pág. 275]

escrito por Carlos M. E. Lopes

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