Para não esquecer...

PÁSCOA DE 2015

Naquele tempo levantou-se o Primeiro-ministro e, a pensar nas próximas eleições, perguntou ao Povo:

– És tu o detentor do poder democrático?

– Sim, eu sou – respondeu o Povo.

O Primeiro-ministro olhou para o seu Conselho e disse:

– Ouvistes o mesmo que eu ouvi. Não necessitamos mais provas.

E com ar de quem respeita com o máximo respeito os tribunais Supremo e Constitucional, sentenciou respeitosamente:

– O Povo é réu de norte.

E desde essa hora começaram a castigar o povo. Aumentaram-lhe os impostos, tiraram-lhe o emprego; baixaram-lhe os salários e cortaram-lhe as pensões; fecharam escolas e eliminaram centros de investigação; desenharam provas que nem o ministro passaria e avaliações em que chumbariam os avaliadores, para despedirem os professores; fecharam Centros de saúde e maternidades; eliminaram valências nos hospitais e mandaram os médicos para a reforma; os novos licenciados foram empurrados para a emigração. E tudo para que o Povo dobrasse a cerviz.

Ao aproximarem-se as eleições, era costume nessa colónia do Império Europeu que o governo soltasse um criminoso.

Reuniu-se o Conselho de Ministros para decidirem se libertavam o Povo ou a Troika.

Uma ministra gritou esganiçada imitando o sotaque alemão:

– A Troika, a Troika.

O Primeiro-ministro ainda disse com aquele seu ar de «quem raio me meteu nisto»:

– Mas já castigamos o Povo severamente.

E logo um  ministro, com voz engolada:

– O Povo andou demasiado tempo a viver acima das suas posses.

Outro ministro – que era administrador de oito companhias antes de fazer parte do Conselho – acrescentou num tom muito peidogógico:

– Se o Povo se não se tivesse armado em parvo ao participar em greves e manifestações para exigir aumento de salário e créditos para comprar casas, não tínhamos agora as empresas e os bancos a fechar.

O Primeiro-ministro, agora com ar de «eu pensava que era opção», decretou:

– Soltem a Troika e crucifiquem o Povo.

Puseram então uma coroa de espinhos na cabeça do Povo e nomearam uma comissão – de banqueiros e beneficiários de luvas – para organizarem una grande recepção à Troika.

A oposição achou que já era demais e perguntou a meia-voz, no Parlamento:

– Quem é que recebeu luvas de submarinos e bancos?

O Espírito Santo tronou das alturas:

– Eu não.

Um senhor, com a boca cheia de baba, disse entre dentes:

– Tenho mais problemas de memória que um doente de Alzheimer na quarta etapa.

Entre doces costas e salgadas barrigas, todos foram negando e negando até que à trigésima negação… o galo cantou.

Às três horas de uma sexta-feira – para não estragar o fim de semana – crucificaram o Povo.

Ao terceiro dia, depois das férias, celebraram a sua própria festa pascal. O imperadorzito da colónia condecorou os banqueiros e desmemoriados CEO’s e elogiou a Troika. O Primeiro-ministro lavou as mãos – gesto a que já estava habituado – e anunciou que seria candidato de novo.

A Festa terminou com um jogo – muito popular noutro império – que consistia em buscar ovos na barriga de um coelhinho.

À saída, os jornalistas, microfone em riste, gritavam:

– Que tal a festa?

E cada ministro, á porta do Mercedes, olhava para o céu enquanto o motorista tratava de fechar a porta, e cantarolava:

– Ale…luia, ale...lu…ia, aleeeeluuuuuuiaaaaa.

escrito por José Alberto, Porto Rico

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