Para não esquecer...

ARNALDO MATOS

Arnaldo Matos


Conheci Arnaldo Matos, se não estou em erro, no dia 12 de outubro de 1974, aquando do segundo ano da morte de Ribeiro Santos. Em 1972 tinha recebido de uma amiga, a estudar em Lisboa, panfletos do MRPP a assinalar a morte do estudante de direito. No final de 1972 já havia rejeitado Mário Soares e o PCP. Aquele por não suportar a sua imagem insistente no República, eu já andava no Comércio do Funchal, Jornal do Centro, Notícias da Amadora ou Jornal do Fundão. O PCP, acabei por rejeitá-lo ao ler os panfletos do MRPP. Os meus colegas de Liceu, Raúl Coelho e Joaquim Machado, eram já ativos nesse campo.

Não saí do PCP, pela simples razão de que nunca lá entrei. A rejeição de Mário Soares durou a vida dele e tem durado a minha. E se fiz esforços para lhe admirar a carreira e a figura!... Nada a fazer. Não consigo. De Álvaro Cunhal, ouvi falar dele antes do 25 de abril, como o grande dirigente. Nunca tive grande admiração pela personagem, ainda que lhe admire a tenacidade, nunca lhe admirei o admirado brilho intelectual.

Por Arnaldo Matos, fiquei fascinado pelos dons oratórios, pela determinação, pela cultura e pela inteligência. Parecia que sabia de tudo e já havia lido tudo. Sobre ele escreveu César Oliveira: "[Arnaldo Matos] “foi das mais brilhantes inteligências que me foi dado encontrar” (César Oliveira, Os Anos Decisivos, Editorial Presença, Lisboa, 1993, pág. 110).

Uma das coisas que lhe escutei foi a de que devíamos falar e escrever com clareza, para sermos entendidos por quem nos escutava ou lia. A outra era que devíamos estudar os problemas de forma o mais aprofundada possível. Se era forma de nos educar ou não, nunca cheguei a saber.

Reuni várias vezes com ele. Lisboa, Faro, Tavira. Encontrámo-nos no Porto, Póvoa, Leiria, Lisboa, Faro, Olhão, Tavira. Um poço de saber e determinação. Nunca prescindiu da boa mesa: bons restaurantes (Gambrinus, sempre), bons pratos, bons vinhos. Sem pruridos, nem problemas de consciência. Irascível, fervia em pouca água.

Em 1976, descíamos a Almirante Reis, em manifestação, vindos de Marvila. Um “engraçadinho” avançou nos semáforos. Vinha com duas garotas no seu popó, e furou a manifestação. O carrinho ficou todo amachucado, barras de ferro saíram das pastinhas de cabedal do serviço de ordem e o Arnaldo quase comia o intrometido. Mas foi o primeiro a refrear os ânimos quando se apercebeu de que aquilo podia acabar com a manifestação que se dirigia ao Rossio.

Um dia, mais recentemente, num Restaurante na Póvoa, o empregado perguntou o que queríamos beber. Ele disse que, quando viesse a comida, se veria se valia um bom vinho. O empregado insistiu e eu vi jeito de o Arnaldo explodir e mandar o empregado à merda. Veio o cabrito e ele pediu…Reserva Especial da Ferreirinha…

A última vez que assisti a uma conferência dele, foi na Biblioteca Álvaro de Campos, em Tavira. Falou sobre o 25 de abril.

Aquando do 25 de abril, ele não captou imediatamente a natureza do golpe, atribuindo-o à camarilha de direita. E julgo que não compreendeu que o 25 de novembro era o Termidor da Revolução portuguesa.

Várias vezes, falámos sobre os desmandos do Barroso na Faculdade de Direito. Arnaldo Matos nutria um profundo respeito pelos Mestres de Direito como Magalhães Colaço e Castro Mendes, pela sua sabedoria, inteligência e disponibilidade.

Nas relações com os adversários era implacável, mas nas relações pessoais era uma pessoa afável e simpática. Arrasava um adversário, mas era o primeiro a dar a mão em caso de necessidade.

Tendo-me afastado do MRPP há mais de 40 anos, continuo a dizer que aprendi muito, em matéria de disciplina e clareza nas reuniões com ele.

Nem sempre concordei com ele, mas sempre o admirei.

Conta-se que um dia, zangado com as notícias publicadas no Diário de Notícias, subiu até ao gabinete do subdiretor e sentou-se no tampo da secretária e, de dedo em riste, admoestou-o “se voltas a publicar estas merdas sobre o meu partido, vou-te à cara”. O subdiretor era o sogro do irmão. Mas lia os romances deste, fazia um resumo e lia às irmãs. Estas gostavam de ouvir as histórias dos romances do sogro do irmão, José Saramago.

Sinto uma dor imensa neste momento. Admirava, como o César Oliveira, a cultura e a inteligência do homem.

Até sempre, Arnaldo!

escrito por Carlos M. E. Lopes

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