Para não esquecer...

HISTÓRIAS JURÍDICAS * 3

Imagine o leitor que no apartamento do vizinho de baixo deflagra um incêndio que se propaga a outros apartamentos (uma data deles, em Cascais) e daí resultam avultados prejuízos nos cómodos da vizinhança. Munidos do Código Civil, ávidos de saber, descobrem o artº 483º que diz

1- Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
E eis que munidos deste auxiliar preciso, os vizinhos consultaram advogados que “meteram” em tribunal o dono do apartamento onde se iniciou o incêndio. É que o incêndio, que durou mais de treze horas, consumiu 50 000,00 € de bens e, tendo o incêndio tido origem no andar dos Réus, e tendo tido início numa televisão que começou a arder, estes teriam de pagar tal quantia. Nem mais.

Acontece que o Tribunal achou que não era bem assim. O artº 493º do Código Civil reza assim
1- Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem… 
Até aqui tudo bem, a favor dos lesados. O pior é o resto do artigo…
…salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
E aqui, apesar de o artigo partir de uma presunção de culpa “Quem tiver em seu poder….responde pelos danos”, há, depois, uma inversão de prova, isto é, pode-se provar que não houve culpa no “salvo se provar”.

No caso analisado pelo tribunal, o Réu provou que a tomada e restantes cabos estavam em perfeitas condições e, por isso, “que nenhuma culpa houve da sua parte” em o televisor ter começado a arder. É claro que as testemunhas ouvidas e que “viram os cabos bem ligados e em perfeito estado de conservação saberão o que viram, nós é que nunca saberemos. E foi assim que o Tribunal da Relação de Lisboa em 28 de fevereiro de 2019 deliberou, redigido por Eduardo Petersen Silva coadjuvado por Cristina Neves e Manuel Rodrigues.

[Ver em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/169016c6c037d769802583b500570ceb?OpenDocument]

Nota 1

  • Como se vê, este acórdão foi assinado por três Desembargadores. O caso de Neto de Moura acho que também, entre eles uma juíza que disse (cito de cor) “li o acórdão em diagonal”. Meus Caros: estou certo de que os Srs. Juízes não leem os acórdãos, quando muito, as conclusões. Basta ver como são produzidos.

Nota 2:

  • Em direito chama-se sentença à decisão de um juiz e acórdão à deliberação de um coletivo. Assim como, pelo dito, se infere que uma decisão é originada por uma pessoa e deliberação por um coletivo.

Nota 3

  • Tenho um colega que só entendeu o significado de acórdão quando assistiu à leitura de um no Supremo. Os Srs. Conselheiros, quando terminou a leitura feita pelo relator, “acordaram”…

escrito por Carlos M. E. Lopes

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