Para não esquecer...

MEMÓRIAS SOLTAS * VI. o Zé da Quinta

Em Santo Estêvão, entra-se a subir ou… a descer. Fica numa encosta e, no centro, tem uma reta de cem metros.

O grande encontro de convívio, no meu tempo, era os funerais. Nem mais. A religiosidade não era muito forte, a festa (em setembro) era anual. Então, os funerais funcionavam como ponto de encontro social do pessoal. A minha mãe, quando eu era mais velhote, dizia “Carlinhos, vai à praça, hoje há funeral”. E lá ia eu comprar enxarrocos, ou raia para guisar e dar de petisco a troco de vinho e (pouco) pão, este vendido, claro.

A aldeia tinha (e tem) poucas casas. A igreja funcionava como polo aglutinador onde, só no século XIX, se começou a construir. A Igreja era o grande ponto de referência… e as tabernas.

Assim, em dia de funerais, o pessoal da freguesia juntava-se na aldeia. Era o grande momento de convívio.

Havia uma figura de quem gostava muito. Era o Sr. Zé da Quinta, o Sr. José Mendonça. Vivia no campo, como a maioria do pessoal, mas no caminho de Tavira, a seguir ao José Vitorino, quando se desce para Tavira. Vivia no campo, julgo que perto do Poço do Pisco.

Nos dias de funeral, o Zé da Quinta (Mendonça, de verdadeiro nome), ia à aldeia. Relativamente alto, de óculos, de fato  escuro (com colete, acho), calmo, chapéu.

Bebia uns copos (não era de muitos copos) que lhe faziam efeito. Depois, falava alto. Lembro-me de algumas vezes ele descer para casa, na reta a descer da aldeia até ao Zé Vitorino, e a gritar, depois dos funerais, “camelão, camelão”, de braços abertos, no meio da estrada e a chover copiosamente.

O Zé da Quinta havia estado na primeira guerra mundial e, segundo se dizia, tinha sido vítima de gases e, por isso, ao beber, por pouco que fosse, “aquilo” fazia-lhe efeito.

O filho, o Joaquim, mais velho que eu quase trinta anos, foi um dos maiores amigos que tive. Dele falarei. Morreu o ano passado, em 2019, com 93 anos.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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