HOMENAGEM AOS COMBATENTES DO ULTRAMAR

A comissão de toponímia de Tavira 

[um conjunto de pessoas que sugere nomes para as ruas da cidade sem critério, sem enquadramento e sem justificação]

propôs o nome de combatentes do Ultramar para uma rua da cidade. Considero a propostas aviltante, descabida e reacionária, pelo menos. 

Publico na íntegra, assumindo-a como se fosse minha, a reação de Fernanda Guerra.

Pretende-se que seja atribuída uma rua aos combatentes do Ultramar. Uma homenagem tem por trás sempre um objetivo e, numa iniciativa destas, não consigo ver mais do que uma homenagem à guerra feita pelos portugueses em África. Digo mais: uma homenagem aos soldados, mero pretexto, para se defender a bondade da guerra e do regime. Esta é a questão. Alguém duvida da coragem e abnegação dos combatentes, todos os combatentes, em qualquer guerra e em qualquer dos lados? Portugal combateu em África mercê da cegueira política e numa tentativa de marchar contra a história. Aí, o regime sacrificou soldados e população civil numa guerra inglória e sem saída. Soldados que foram combater e população que lá vivia. Que glória há nesse combate? Coragem, poderá haver certamente. Fins nobres? Não, senhor. De um lado, povos que almejavam a sua liberdade, independência e que tinham do seu lado o mundo, a história e a liberdade. Lembremos que até Paulo VI recebeu os dirigentes dos movimentos no Vaticano. Do outro lado, um regime agonizante, desfasado da história, teimoso e que enviou um milhão de rapazes para uma guerra injusta e sem futuro.

 

[imagem copiada daqui]

Ao pretender-se homenagear os combatentes do Ultramar, não mais se quer que homenagear um regime ditatorial e déspota, incapaz de se adaptar à história. 

Milhares de soldados intelectualmente indefesos, ignorantes, obedientes a um regime desprezível deram o corpo às balas. Mas não se transforme uma atitude corajosa, certamente, a uma referência de justiça.

Os soldados ao serviço do regime nazi também foram corajosos. E daí... presta-se homenagem a esses soldados sem estar a branquear o próprio regime?

O 25 de abril fez-se contra essa guerra, também. Os capitães que dirigiram o golpe de Estado (nem todos) queriam acabar com a guerra e agora, passados quase cinquenta anos, vamos homenagear essa guerra, com o pretexto de homenagear os pobres soldados? Pobres, analfabetos, vítimas, eles também, de um regime iníquo, injusto, repressivo?

Os soldados são aqui uns inocentes úteis para fins inconfessáveis.

Que lhes dêmos pensões condignas, mas que não sejam de novo usados para agora se homenagear uma guerra injusta e anacrónica, como foi a guerra colonial onde foram obrigados a servir de carne para canhão. Antes se faça homenagem às vítimas do colonialismo, abrangendo soldados e vítimas de ambos os lados, refugiados (os ditos retornados) desertores, refratários e todos aqueles que foram vítimas de uma guerra injusta. 

E temos de nos vangloriar de quê? De 99% de analfabetos em Moçambique que deixámos?

Não há paz má, nem guerra boa, diz Eduardo Galeano. Ao tempo, no começo da guerra, em 1961, já a quase totalidade das colónias das potências europeias eram independentes. Que fazíamos nós em África, meros lacaios e sub colonizadores em África? Dificultámos a vida dos nossos compatriotas em África e jogámos os nossos soldados numa guerra perdida.

Por tudo isto, o meu voto é NÃO!

escrito por Carlos M. E. Lopes