LXXXI
RETRATO PRÓPRIO
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em que luz algum talento:
Sairam dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
[Bocage. Obras de Bocage, Lello & Irmão, Porto, s/d, pág. 497]
escrito por Carlos M. E. Lopes
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