O homem seguia, curvado, à minha frente. Caminhava com dificuldade. Saía do Pingo Doce e levava um saco de plástico na mão. Pareceu-me pão, uma baguete francesa, pré-cozida. Ia um pouco forçado, era obeso e com um metro e oitenta, mal medidos. No cocuruto o cabelo rareava e era grisalho, barba rala e por fazer. Passei-lhe à frente. Vi-lhe a cara. Olhos vagos, semblante sério. As comissuras dos lábios apontando para baixo. Ar triste, cansado, de quem desistiu de tudo e não espera nada. Blusão verde-azeitona, calças de ganga, vulgares. A camisa saía-lhe, um pouco, das calças. Aparentava ter setenta anos. Se tivesse tido alegrias na vida, não transparecia. Caiu-lhe a carteira das mãos. Tentou apanhá-la. Não conseguiu à primeira. À terceira, apoiando-se num carro do estacionamento, recuperou-a. Tinha posto o joelho em baixo. Viu-se aflito, mas lá se ergueu, com muita dificuldade e um esgar de dor. Via-se que as pernas não lhe respondiam. Pareceu-me ver uma lágrima a rolar-lhe no rosto.
Segui-o, algum tempo. Dirigiu-se, vacilante, a um carro estacionado no parque da mercearia. Sacou do telecomando. O carro deu aquele estalo próprio da abertura. O carro era um castanho claro. Eu pensei "este carro é igual ao meu!'. O velho entrou, ajeitou-se no banco, olhou-se ao espelho e, só então, exclamei "este velho sou eu!".
(Para o meu melhor amigo).
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