Para não esquecer...

Ano negro

O texto seguinte é do jornal Público. Transcrevo-o porque 1) só está acessível aos assinantes do jornal (a esta hora já não roubo vendas da edição impressa); 2) sintetiza a política de uma ministra que alguns ainda teimam em elogiar (esta tarde, numa rádio, um conhecido dirigente socialista propunha-a para a mulher do ano, referindo-se aos sindicatos em termos que faziam lembrar as "forças de bloqueio" de Cavaco Silva: estes "socialistas" portugueses , quando poder, são do pior!):

Um ano negro para a Educação
[Santana Castilho (professor do ensino superior)]

Remexo na memória recente e não me recordo de um ano tão negro para a Educação como o que agora findou. O que é mau, porque os restantes com que comparo este tão-pouco são famosos.
O que seria relevante está parado, melhor dizendo, nunca mexeu. Nada vai além de uma medíocre gestão corrente e de uma overdose bruta de alterações, bem diferentes dos desejáveis desenvolvimento e progresso. Esse é, aliás, o elo identificador de uma sucessão de ministros da Educação que não têm estado à altura das circunstâncias mas que, julgando-se divinamente iluminados, decretam mudanças em catadupa, para que tudo fique... pior.
Esta minha visão de conjunto pode ser fundamentada pelo somatório dos erros que a informa e que patenteiam a ausência de estratégia, as frequentes incoerências, a falta de clarividência política e até de simples senso comum. Aqui ficam alguns exemplos, em jeito de balanço, relativos à equipa actualmente em funções:

1. A colocação dos professores a tempo e horas granjeou os primeiros elogios imerecidos à actual ministra. Imerecidos por duas razões: porque foi, como é evidente, resultado da acção correctiva de quem a antecedeu e porque é um processo administrativo trivial que só uma visão terceiro-mundista pode alcandorar a feito relevante. O tema foi retomado com uma proposta de substituição dos concursos anuais por plurianuais, imposta sem tempo de discussão nem ponderação de consequências. A adequação dos quadros às necessidades e a consequente estabilização dos corpos docentes continuará por fazer. Persistiu-se na centralização administrativa e no primado da burocracia. O primeiro factor da falta de qualidade do sistema continuará intocável, no essencial, com o cortejo de injustiças e de dramas a que estamos habituados.

2. Seguiu-se o prolongamento do tempo de abertura das escolas do ensino básico e medidas de enquadramento de alunos em situação de falta de professores às aulas previstas. Embora desgarradas e avulsas, eram iniciativas, em espírito, inatacáveis. Mas a forma foi desastrada e materializou o primeiro erro político de grande dimensão. Esta equipa não entendeu que nada se institui de moca em riste. As mudanças só valem a pena quando forem mais que mudanças normativas, quando gerarem melhorias e quando conquistarem quem tem que as executar. A ideia de que os despachos mudam os comportamentos é uma ideia arrogante de quem não sabe como se gerem pessoas. Acusaram-se professores competentes e esforçados, porque alguns o não são. Atropelaram-se disposições legais. Generalizou-se o que não era generalizável. Semeou-se revolta e desmotivação. Desmembraram-se organizações e estruturas que funcionavam. E agora voltou-se ao que se quis alterar levianamente, com custos para o Estado, que antes não existiam.

3. Não chegava o que sobrou para os professores do vilipêndio colado aos funcionários públicos e já a ministra reforçava a dose com a pouco ética manipulação das estatísticas relativas às faltas dos docentes. Divulgadas maliciosamente no dia da greve nacional, para ajudar à exploração demagógica do desconforto que qualquer greve provoca nos utentes habituais dos serviços. Para o mesmo alforge foram as faltas dadas ao abrigo do Estatuto do Trabalhador-Estudante, as motivadas por doença e as relativas à maternidade, numa população onde cerca de 80 por cento são mulheres. Tudo em nome do fomento da raiva de um país contra os seus professores. Será sensato que assim se proceda?

4. A intervenção no livro escolar prenuncia o escaqueirar do sector. A confirmar-se a censura prévia anunciada, a menorização dos professores que deixarão de ser considerados no processo de adopção, a imposição administrativa dos preços e o prolongamento para seis anos do período de vigência, teremos regredido várias décadas.

5. Reabriu-se a guerra dos exames. Aboliram-se hoje, readmitiram-se amanhã. Português porque sim, Filosofia porque não. Qual o critério? Com que ponderação se anunciam as políticas? Com que coerência as engolem?

6. Será pedir demasiado aos responsáveis do Ministério da Educação que não confundam o carácter laico do Estado português com jacobinismo primário? Valeu a pena ferir sensibilidades que merecem respeito com a imprudência de mandar retirar os crucifixos por burocrática circular?

7. Para quê tanta gente bem intencionada andou há tanto a trabalhar no domínio da educação sexual dos jovens e adolescentes? Podemos deixar passar sem protesto que de repente tudo se ignore e se anuncie a salvação como se nada existisse? Daniel Sampaio é respeitável e competente? E os outros ? São transparentes? Que ministério é este que assim despreza recursos e ignora os pais e as famílias?

É impossível ter esperança com esta gente. Feito o diagnóstico está feito o prognóstico. 2006 será como 2005. Resta resistir.

escrito por ai.valhamedeus

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