Para não esquecer...

O OUTRO LADO DA LUA

The Dark Side of the Moon dos Pink FloydA vida é feita de acasos. Por isso os dias, também.

Quis hoje o acaso

[essa conjugação de factores que desconhecemos. Pelo menos em parte. Se os conhecêssemos todos, deixaríamos de lhe chamar acaso]
colocar-me de novo nas mãos
[e o som nos ouvidos]
o disco (talvez) mais representativo dos Pink Floyd: The Dark Side of the Moon.

Gravado em 1973, The Dark Side arrisca-se a ficar na História da Música em lugar de perene destaque. Philippe Paraire, por exemplo,
[50 anos de música rock. Lisboa : Pergaminho, 1992]
considera-o
"uma pura obra-prima, um verdadeiro monumento da música rock; arte pura" (p. 159); "é ainda hoje o álbum mais vendido e mais célebre da história do rock, visto que a partir da sua saída só durante duas semanas não esteve no grupo dos discos mais vendidos nos Estados Unidos. O primeiro verdadeiro sucesso dos Pink Floyd encontra-se neste álbum: o inesquecível "Money"; o seu barulho de caixa de distribuição sincronizada com a introdução instrumental, a guitarra brilhante e profunda de Gilmour, o apoio dos sintetizadores de Wright, a partir de agora totalmente dominados, os textos contestatários, muito 'na moda', tornam-no um dos monumentos de toda a música rock, acompanhado por outros títulos que se tornarão clássicos ('Time', 'Us and them', 'Dark side of the moon') (p. 156)".
"Mas comecemos pelo primeiro tema do disco, que na realidade são dois. Uma introdução chamada Speak To Me, que nos resume em poucos segundos algo do que vamos ouvir nos minutos seguintes, apenas para nos apresentar a canção seguinte através da cadência de coros: Breathe. Um tema com uma cadência suave, com dedilhados da guitarra eléctrica de Waters. Um tema que tranquiliza, sendo isso mesmo o que se procura (breathe, breathe in the air, don't be afraid to care, leave but don't leave me).

No entanto, tudo parece mudar no tema seguinte, On The Run, psicadélico e dedicado à loucura. Na tournée de 2003 (se não me engano), nos ecrãs gigantes por cima do palco aparecia, enquanto se ouvia este tema, um doente internado no hospital, e de repente, conforme ia avançando a canção e o ritmo frenético da mesma, a sua cama (com ele em cima) voava sobre Inglaterra, sobre colinas e cidades, algo que explica perfeitamente o centro da mensagem: a loucura pode levar-nos a limites infinitos, mas podemos voltar à crua realidade (quando o doente volta ao quarto do hospital na sua cama voadora).

Time, a pista seguinte, começa com o som de despertadores e campainhas, mas rapidamente o tema toma forma, em primeiro lugar de forma algo sinistra -- e a letra, embora a forma de cantar anime bastante, não é nada animadora: o tempo corre, e cada vez a vida é mais curta, e muito mais curta será se não se faz mais nada na vida a não ser rotinas. A rotina também pode levar o homem a cometer actos de loucura (And you are young and life is long, and there is time to kill today, and then one day you find, ten years have got behind you, no one told you when to run, you missed the starting gun).

E chega The Great Gig In The Sky, composta por Richard Wright. No filme Escola de Rock, o professor encarnado por Jack Black encarrega uma aluna de estudar a voz de Clare Torry nesse preciso tema, que não tem letra, mas sim uma voz incrível. Diz-se que a voz que se ouve neste disco é nada mais e nada menos do que uma improvisação da artista.

Money ouve-se logo depois, começando com o ruído de umas caixas registadoras abrindo-se e fechando-se, com ruído de dinheiro no seu interior. Conta-se que se esteve durante bastante tempo à procura do som exacto da caixa registadora exacta para que soasse como deveria. Money é talvez o tema mais pop-rock do disco, e mais fácil de escutar, com secção de sopro incluída, que vai ganhando ritmo (Money fica muito interessante quando muda de ritmo) até se ligar com o tema seguinte. É no entanto um tema "duro", que trata do consumismo crescente na época de 70 do século XX e do conformismo, resumido perfeitamente desde o princípio da canção: Money, get away, get a good job with good pay and you’re ok.

Us Ans Them é um blues tranquilo com secção de sopro, que tinha sido composto para um filme uns anos antes dentro de um tema mais extenso. Tal como aqui é exposto, o tema dá uma visão pessimista do sistema social (Forward he cried from the rear and the front rank died, the general sat, and the lines on the map moved from side to side).

Any Colour You Like é um tema psicadélico instrumental e Brain Damage, um tema enigmático e às vezes até repetitivo. É dedicado claramente a Syd Barret, fala de um louco, da sua loucura e do contágio da loucura, ou da vida, se se quiser entender de outro modo. Chegar ao estado de loucura pode ser o resultado de compreender a realidade do mundo e a cela que é o próprio mundo; por isso se decide o encontro no outro lado da lua, um sítio que o mundo não pode ver nem controlar, e portanto o único sítio aonde se pode ir para conseguir a liberdade.

E por fim chegamos a Eclipse, o que seria o título do disco, antes de The Dark Side Of The Moon, composto inteiramente por Waters. Um tema pop com uns coros impressionantes, e ainda com a mensagem profunda que os Pink Floyd sempre costumavam colocar nos seus discos e nas suas canções: tudo o que temos pode fracassar. O sol dá-nos tudo, mas a lua, embora muito mais pequena, pode eclipsá-lo.

Conta-se que Roger Waters estava obcecado com o filme O feiticeiro de Oz de Victor Fleming (1939) e permanecia horas no estúdio para que todo o disco coincidisse com as sequências do filme. É fazer a experiência: colocar o disco a rodar exactamente com o terceiro rugido do leão da Metro... e parece que de facto coincidem (!!!)" [traduzido de discos y conciertos]

escrito por ai.valhamedeus

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