Não se pense, pelo título, que mantenho correspondência regular, sequer fortuita, com qualquer membro do governo nacional. Menos ainda internacional.
Estas são cartas endereçadas ao Ditador. Esse mesmo. E por mulheres! Que gostavam tanto, ou mais, dele como um cônsul da República Dominicana, sedeado em Puerto Rico. Essa reverência pelo nosso ditador, já mais que passed away à época, granjeou ao escritor Onésimo Teotónio Almeida um visto no Consulado da referida república, aberto expressamente para ele num Sábado de manhã cedo. E sem quaisquer custos! Quem desejar saber mais sobre o assunto é ler o livro do Onésimo “Aventuras De Um Nabogador”. Garanto que vão gostar.
Pedindo mil desculpas ao leitor por esta minha deriva, voltemos ao pretexto deste texto.
E é a semi longa-metragem (60 min.), ou média-metragem, se preferirem, realizada por Inês de Medeiros -- um documentário sobre as cartas escritas por mulheres de vários estratos sociais a Salazar. Algumas das entrevistadas já não se recordavam, ou recordavam mal, o que tinham escrito, e por que razão o escreveram.
Um documentário inteligente, bem construído com depoimentos a favor, assim-assim, sim… mas e contra. Uma das representantes das yeswomen, parecendo conservada em naftalina e pó-de-arroz, quiçá em ambos, a puxar a beira do vestido a fim de tapar o joelho alvo e roliço; enfim, um joelho com muito “berço”. A voz sem inflexões, o gesto contido.
Outra sorridente, mais loquaz, respondendo às perguntas em tom politicamente correcto. Sem tirar nem pôr. Uma outra mais solta, mais esclarecida, de discurso lesto, sem preocupações políticas. E a representante do “povo”, por assim dizer: 80 anos lúcidos, rosto rosado, quase sem rugas (quando envelhecer quero ficar assim), que dizia na tal carta “não poder atender o pedido de V.as Ex.cias por a minha vida ser uma vida de trabalho”. Falou à Inês do medo que habitava o cidadão comum nessa altura, da vida de canseira, do orgulho de, com apenas a 4ª classe, ter sido ela a ajudar os netos órfãos nos trabalhos escolares “que agora são doutores!” E lá estava uma neta sentada ao lado, sorrindo para a Avó. Com ar de avó e um sorriso lindo e saudável. Desempenado, sorriso de vida preenchida, “porque sabe, menina, eu nunca quis que os meus filhos fossem servir. Não queria que eles comessem pão duro, sopa azedada. E mais o resto. Antes quis eu ir servir.”
Se puderem, não deixem de ver este documentário sobre o Ditador e o Movimento Nacional Feminino. Para encararmos os fantasmas olhos nos olhos e perdermos os medos. Ou as ilusões.
escrito por Gabriela Correia, Faro
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