Para não esquecer...

ARGUMENTAÇÃO 2. validade dos argumentos

Escola de Atenas

Terminei o texto anterior com a pergunta: o que é um bom argumento? Dado que a argumentação visa obter a adesão do "auditório" a uma tese, através da justificação racional, um bom argumento deve ter, cumulativamente, 3 características:
  1. ser válido, para que da verdade das premissas se possa "extrair" a verdade da conclusão;
  2. ter premissas verdadeiras, condição necessária para que a conclusão também o seja;
  3. ter premissas convincentes: a força do argumento está nas premissas, com as quais pretendemos justificar a conclusão; por isso, as premissas devem ser mais aceitáveis que a conclusão.
Neste texto procurarei esclarecer o conceito de validade de um argumento. Se não for dito o contrário, aqui, validade é sinónimo de validade formal
[mais abaixo, esclarecerei a diferença entre validade formal e validade informal].
  1. Vamos partir de um argumento famoso: o argumento do cornudo:
    "Tu tens tudo o que não perdeste. Tu não perdeste cornos. Logo, tens cornos".
    Trata-se de um argumento válido, porque, se admitirmos que as premissas
    (as 2 primeiras proposições)
    são verdadeiras, temos que admitir que a conclusão
    (a terceira proposição)
    também é verdadeira. O "problema" com este argumento está em que a 1ª premissa
    [e até a segunda, mas mais subtilmente]
    é falsa; mas isso é outra coisa: quando queremos avaliar a validade de um argumento, supomos que as premissas são verdadeiras, mesmo que efectivamente sejam falsas...

  2. Há um poema de Fernando Pessoa que começa assim:
    "A morte chega cedo, / Pois breve é toda vida".
    Tirando-lhes a carga poética, há algo de estranho nestes 2 versos, embora possam já não provocar estranheza: é a declaração de que toda a vida é breve. Toda?!, poderíamos perguntar ao poeta. Como é que ele fundamenta essa conclusão? Como é que a fundamentamos nós, todos os que pensamos como ele, que toda a vida é breve? Baseados na nossa experiência passada, construimos um argumento mais ou menos assim:
    "Até hoje, nenhum dos seres vivos viveu durante muito tempo. Logo, nenhum ser vivo vive durante muito tempo".
    Trata-se, mais uma vez, de um argumento válido: a premissa apoia, sustenta, logicamente a conclusão. Aceitamos a verdade da conclusão porque aceitamos a verdade da premissa.

  3. É fácil de ver que o tipo de validade do segundo argumento é diferente do tipo de validade do primeiro. No caso do argumento do cornudo, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira. No caso do argumento sobre a brevidade da vida, mesmo sabendo que a premissa é verdadeira, a conclusão é só provavelmente (ou, se se preferir, muito provavelmente) verdadeira. Ao primeiro tipo de validade chamamos validade dedutiva; o segundo argumento tem validade não dedutiva.

  4. Justifica-se esclarecer melhor a relação entre, por um lado, a verdade/falsidade das proposições que constituem os argumentos e, por outro, a validade dos argumentos.

    (a) Se um argumento tiver premissas verdadeiras e conclusão falsa, esse argumento é inválido.

    Não há, portanto, hipótese de um argumento ser válido se tiver premissas verdadeiras e conclusão falsa. Então, se um argumento tiver premissas falsas e conclusão falsa, será inválido? Não, pode ser válido, e aqui está uma prova:
    "Todos os brasileiros são europeus. Os habitantes de Pequim são brasileiros. Logo, os habitantes de Pequim são europeus".
    Todas as proposições são falsas; no entanto, SE as premissas fossem verdadeiras, a conclusão teria que ser verdadeira. É, pois, um argumento válido (com validade dedutiva).

    Ou seja
    [e de acordo com o acima estabelecido em (a)],
    (b) para analisar a validade de um argumento, independentemente da verdade/falsidade efectiva das premissas, supomos que elas são verdadeiras e perguntamos: nestas circunstâncias, a conclusão é necessariamente ou provavelmente verdadeira? Se a resposta for afirmativa, o argumento é válido; caso contrário, o argumento é inválido.

    Eis um exemplo de um argumento com premissas verdadeiras e conclusão verdadeira, mas inválido:
    "Se os cariocas forem portugueses, são europeus. Os cariocas não são portugueses. Logo, os cariocas não são europeus".
    A conclusão é verdadeira não por as premissas serem verdadeiras; é verdadeira por acaso. É só pensar num outro argumento com a mesma forma, cuja conclusão é falsa...:
    "Se os parisienses forem portugueses, são europeus. Os parisienses não são portugueses. Logo, os parisienses não são europeus".
  5. Até aqui, sempre que falei em validade, era de validade formal que estava a falar. No entanto, um argumento pode ser inválido quando consideramos a forma, mas válido por razões que não têm que ver com a forma. Vejamos...

  6. O argumento
    "Ptolomeu diz que o Sol gira em torno da Terra. Logo, o Sol gira em torno da Terra"
    não é válido: a premissa é verdadeira, mas a conclusão é falsa. A forma deste argumento é
    Fulano diz que P. Logo, P.
    Portanto, todos os argumentos que tiverem esta forma têm forma inválida: são formalmente inválidos. Ou seja, o argumento seguinte, que tem essa forma, é formalmente inválido:
    "Os nutricionistas dizem que devemos comer mais peixe do que carne. Logo, devemos comer mais peixe do que carne".
    No entanto, neste caso, nós aceitamos a verdade da premissa e, por isso, a verdade da conclusão: comemos mais peixe porque os nutriconistas o dizem. Trata-se, pois, de um argumento cuja conclusão é apoiada pela premissa: é válido. Mas é válido não em função da forma, mas em função da análise do contexto do argumento: no caso, a competência científica dos nutricionistas. Tem, por isso, validade informal.

    É deste modo
    [analisando se as premissas são ou não as adequadas; se os dados de partida, as premissas, podem realmente justificar a conclusão; se intervêm elementos do contexto que podem perturbar a validade do argumento...]
    que nos comportamos muitas vezes perante quem argumenta: se (ou)virmos alguém exprimir na televisão uma opinião, não é seguro confiar nela; mas confiamos, se (ou)virmos um especialista na matéria...
Esclarecido
(espero)
um dos 3 requisitos de um bom argumento, no início enunciados -- a validade --, atentarei, em próximo texto, nos restantes.

escrito por ai.valhamedeus

3 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Ai valhame allah

Diga-me se estas permissas estão bem formuladas e se a conclusão do argumento é válido

Um homem sozinho não é nada
Um homem solteiro é sozinho
Logo para ser corno precisa de uma mulher

Assim falava Zarutrusta

Ai meu Deus disse...

Caro Assim falava Zaratustra (ou será Zaratrusta? ou será Zaratustrka?),

apreciei o seu sentido de humor (ou será amor?). ;-)

Apesar disso, não sei responder à sua pergunta, porque não a entendo: a conclusão é uma proposição -- e as proposições não são (in)válidas; são verdadeiras ou falsas. Quando falamos de (in)validade, é de argumentos que falamos. ;-))

De qualquer modo, e se o tal argumento "colhe", para ser corno é preciso só... não ter perdido os cornos. ;-)

(Ai! valha-me Deus!...)

Abraço.

Anónimo disse...

Excelente aula de lógica: exposição organizada, conceitos claros e acessíveis.
Prova provada de que um professor não ensina só na escola que lhe justifica o salário!
Pena que esse tal Lemos não seja leitor deste blog. Claro, se o fosse, ainda teria um problema: entendê-lo. E se o entendesse, novo problema: ineficácia. É que, para entender um argumento sólido (válido e verdadeiro), se necessita inteligência, mas para que este seja eficaz se exige a disposição anímica de reconhecê-lo e aceitá-lo. A isto se chama honestidade intelectual. A falta dela é que leva uma caterva de Lemos a aceitar como argumento sólido o legendário argumento do «cornudo». Eles lá sabem...

J Alberto