Para não esquecer...

ARGUMENTAÇÃO 3. verdade e plausibilidade

GambitoNo texto anterior, tratei de explicitar o conceito de validade, aplicado aos argumentos. Repito: um argumento é válido quando a conclusão se segue das premissas. Dito de outro modo: um argumento é válido quando, se as premissas forem
(hipoteticamente)
verdadeiras, a conclusão for
(hipoteticamente)
verdadeira
[necessariamente ou provavelmente].
Veio isto a propósito da pergunta; o que é um argumento bom? Para já, a resposta é: um argumento bom tem que ser válido.
  1. A validade de um argumento é, portanto, condição necessária a um bom argumento. Mas não é condição suficiente. Para verificar que, para um argumento ser bom, não basta ser válido, tomemos este exemplo:
    "Se me sair o euromilhões, vou comprar o carro dos meus sonhos. Saiu-me o euromilhões. Então vou comprar o carro dos meus sonhos".
    Se o objectivo deste argumento é provar (por)que vou comprar o carro, o argumento... falha. Falha, embora seja válido: se a condição para eu comprar o carro é sair-me o euromilhões e se me tivesse saído o euromilhões, então não restavam dúvidas acerca da compra do carro. Só que a conclusão é falsa: eu, garanto, não vou comprar carro nenhum. E a conclusão não é (necessariamente) verdadeira porque a segunda premissa não é verdadeira: de facto, não me saiu euromilhões nenhum
    [atenção: só digo que é que a conclusão não é necessariamente verdadeira em função da verdade das premissas. De acordo com a definição de argumento válido, apresentada no último texto, a conclusão até poderia ser verdadeira. Mas não em função das premissas: podia sê-lo por outra razão qualquer].
  2. Em conclusão: para um argumento ser bom tem que ser válido e ter premissas verdadeiras: se for válido e tiver premissas verdadeiras, a conclusão será verdadeira. A um argumento com as duas características anteriores chamaremos sólido.

  3. Para um argumento ser bom tem, pois, que ser sólido. Mas para um argumento ser bom não basta ser sólido. E isto percebe-se analisando este argumento:
    "Carlos Lopes é um dos autores do Ai Jesus!. Logo, Carlos Lopes é um dos autores do Ai Jesus!".
    Este é um argumento válido
    [se a premissa for verdadeira, não há dúvida nenhuma de que a conclusão o será também, necessariamente].
    E a sua premissa é verdadeira
    [como atestam os textos aqui publicados por Carlos Lopes].
    E, apesar disso, percebemos facilmente que este não é um bom argumento: se o objectivo deste argumento é justificar a verdade da conclusão com a premissa, é óbvio que não precisamos deste argumento para nada.

    Dito de outro modo: a força maior dum argumento encontra-se na(s) premissa(s): é a partir dela(s) que se segue a conclusão. No exemplo anterior, uma vez que a conclusão repete a premissa, a premissa não tem mais força do que a conclusão.

    Tiremos, então, a "lição": para que um argumento seja bom, é necessário que seja sólido
    (isto é, que seja válido e tenha premissas verdadeiras)
    e tenha premissa(s) mais plausível(s) que a conclusão.

  4. Como se percebe do último parágrafo, verdade e plausibilidade são conceitos diferentes: um argumento pode ter premissas verdadeiras ou falsas, mas, em qualquer dos casos, a(s) premissa(s) podem(s) ser mais ou menos plausíveis do que a conclusão. Uma proposição é verdadeira em si própria; a plausibilidade define-se na relação com um sujeito.
    "Acabo de saber que João, um jovem simpático cá do bairro, desapareceu. Quem me deu a notícia garantiu que o João caiu a um poço. Aceitei essa possibilidade... há, de facto, aqui um poço numa quinta -- e era hábito do João andar por aí a saltaricar...

    Entretanto, a minha vizinha apareceu, desmentindo: o João foi raptado por extra-terrestres. E até gritou o que nos grita com frequência: "Eu não vos digo? eles andam aí!...".
    Deixando-nos de estórias... A proposição "João foi raptado por extra-terrestres" é para mim menos plausível do que esta: "João caiu a um poço". No entanto, para a minha vizinha, que acredita piamente em extra-terrestres, a primeira é mais plausível que a segunda. Independentemente da maior ou menor plausibilidade, a proposição "João foi raptado por extra-terrestres" será, em si, verdadeira ou falsa conforme João tenha sido ou não raptado por extra-terrestres
    [repito: mesmo que isso me pareça pouco plausível e pareça muito plausível à minha vizinha].
  5. Assim sendo,
    Todos os Homens são mortais
    D. Afonso Henriques é Homem
    Logo, D. Afonso Henriques é mortal
    não é um bom argumento. É válido, tem premissas (e conclusão) verdadeiras, mas a conclusão é mais plausível do que a primeira premissa. Para aceitarmos a conclusão, não precisamos das premissas: é mais fácil aceitarmos a conclusão
    (este é o Afonso Henriques que viveu no século XII: já morreu...)
    do que a referida premissa
    (é bem plausível que todos os Homens sejam mortais -- mas aos actualmente vivos ainda resta alguma esperança de que assim não seja).
  6. Sabemos agora quais as condições de um bom argumento. De um argumento que seja válido, tenha premissas verdadeiras e tenha premissas mais plausíveis que a conclusão, diremos que é cogente.

    O "livro do professor" que acompanha o manual de Filosofia do 11º ano adoptado na Escola onde trabalho exemplifica este conceito com 2 exemplos contrastantes bem esgalhados. Um argumento cogente:
    "Se o leite estivesse estragado, teria mau cheiro; mas o leite não tem mau cheiro; logo não está estragado.
    Um outro não cogente:
    "Se o leite está estragado, tem mau cheiro; o leite está estragado; logo, tem mau cheiro".
    Ambos os argumentos são sólidos
    [diga lá porquê];
    a diferença está em que sabemos mais directamente -- é mais plausível -- que "O leite tem mau cheiro"
    (premissa no 1º exemplo; conclusão, no 2º)
    do que "O leite está estragado"
    (conclusão no 1º exemplo; premissa, no 2º).
Esclarecidas
[espero...]
as condições de um bom argumento, estudaremos a seguir alguns casos exemplares de argumentos em que se não cumprem todas as 3 condições: o tema do próximo texto serão as falácias.

escrito por ai.valhamedeus

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Ponde de lado as permissas, as conclusões detenhamo-nos no diagrama escaquético.

Os movimentos das peças são uma autêmtica e primitiva falácia.

Será que alguém já viu movimentos de peças assim?

Que o "valhame deus" me perdõe mas só Deus pode perdoar tanta ingenuidade xadresística.

Quanto à filosofia tudo bem, tudo bem argumentado e superiormente exposto.

Percebe-se que entende da poda.

O argumento "cogente" com "o" que não com "u" é que ia azedando o leite.

Anónimo disse...

O comentário deste anónimo fez-me lembrar o escrito numa carteira dum anfiteatro na Faculdade de Direito (vulgo, nos Direitos)da Universidade de Coimbra, a long, long time ago:
Colega - tirando o co fica lega, tirando o lega fica co, tirando o co à colega fica a colega sem co.
Pode-se fazer um update do "cogente"
Gabriela