No texto anterior, tratei de explicitar o conceito de validade, aplicado aos argumentos. Repito: um argumento é válido quando a conclusão se segue das premissas. Dito de outro modo: um argumento é válido quando, se as premissas forem
(hipoteticamente)verdadeiras, a conclusão for
(hipoteticamente)verdadeira
[necessariamente ou provavelmente].
Veio isto a propósito da pergunta; o que é um argumento bom? Para já, a resposta é: um argumento bom tem que ser válido.
- A validade de um argumento é, portanto, condição necessária a um bom argumento. Mas não é condição suficiente. Para verificar que, para um argumento ser bom, não basta ser válido, tomemos este exemplo:
"Se me sair o euromilhões, vou comprar o carro dos meus sonhos. Saiu-me o euromilhões. Então vou comprar o carro dos meus sonhos".
Se o objectivo deste argumento é provar (por)que vou comprar o carro, o argumento... falha. Falha, embora seja válido: se a condição para eu comprar o carro é sair-me o euromilhões e se me tivesse saído o euromilhões, então não restavam dúvidas acerca da compra do carro. Só que a conclusão é falsa: eu, garanto, não vou comprar carro nenhum. E a conclusão não é (necessariamente) verdadeira porque a segunda premissa não é verdadeira: de facto, não me saiu euromilhões nenhum[atenção: só digo que é que a conclusão não é necessariamente verdadeira em função da verdade das premissas. De acordo com a definição de argumento válido, apresentada no último texto, a conclusão até poderia ser verdadeira. Mas não em função das premissas: podia sê-lo por outra razão qualquer].
- Em conclusão: para um argumento ser bom tem que ser válido e ter premissas verdadeiras: se for válido e tiver premissas verdadeiras, a conclusão será verdadeira. A um argumento com as duas características anteriores chamaremos sólido.
- Para um argumento ser bom tem, pois, que ser sólido. Mas para um argumento ser bom não basta ser sólido. E isto percebe-se analisando este argumento:
"Carlos Lopes é um dos autores do Ai Jesus!. Logo, Carlos Lopes é um dos autores do Ai Jesus!".
Este é um argumento válidoE a sua premissa é verdadeira[se a premissa for verdadeira, não há dúvida nenhuma de que a conclusão o será também, necessariamente].
[como atestam os textos aqui publicados por Carlos Lopes].
E, apesar disso, percebemos facilmente que este não é um bom argumento: se o objectivo deste argumento é justificar a verdade da conclusão com a premissa, é óbvio que não precisamos deste argumento para nada.Dito de outro modo: a força maior dum argumento encontra-se na(s) premissa(s): é a partir dela(s) que se segue a conclusão. No exemplo anterior, uma vez que a conclusão repete a premissa, a premissa não tem mais força do que a conclusão.
Tiremos, então, a "lição": para que um argumento seja bom, é necessário que seja sólido(isto é, que seja válido e tenha premissas verdadeiras)
e tenha premissa(s) mais plausível(s) que a conclusão. - Como se percebe do último parágrafo, verdade e plausibilidade são conceitos diferentes: um argumento pode ter premissas verdadeiras ou falsas, mas, em qualquer dos casos, a(s) premissa(s) podem(s) ser mais ou menos plausíveis do que a conclusão. Uma proposição é verdadeira em si própria; a plausibilidade define-se na relação com um sujeito.
"Acabo de saber que João, um jovem simpático cá do bairro, desapareceu. Quem me deu a notícia garantiu que o João caiu a um poço. Aceitei essa possibilidade... há, de facto, aqui um poço numa quinta -- e era hábito do João andar por aí a saltaricar...
Entretanto, a minha vizinha apareceu, desmentindo: o João foi raptado por extra-terrestres. E até gritou o que nos grita com frequência: "Eu não vos digo? eles andam aí!...".Deixando-nos de estórias... A proposição "João foi raptado por extra-terrestres" é para mim menos plausível do que esta: "João caiu a um poço". No entanto, para a minha vizinha, que acredita piamente em extra-terrestres, a primeira é mais plausível que a segunda. Independentemente da maior ou menor plausibilidade, a proposição "João foi raptado por extra-terrestres" será, em si, verdadeira ou falsa conforme João tenha sido ou não raptado por extra-terrestres[repito: mesmo que isso me pareça pouco plausível e pareça muito plausível à minha vizinha].
- Assim sendo,
Todos os Homens são mortais
D. Afonso Henriques é Homem
Logo, D. Afonso Henriques é mortalnão é um bom argumento. É válido, tem premissas (e conclusão) verdadeiras, mas a conclusão é mais plausível do que a primeira premissa. Para aceitarmos a conclusão, não precisamos das premissas: é mais fácil aceitarmos a conclusão(este é o Afonso Henriques que viveu no século XII: já morreu...)
do que a referida premissa(é bem plausível que todos os Homens sejam mortais -- mas aos actualmente vivos ainda resta alguma esperança de que assim não seja).
- Sabemos agora quais as condições de um bom argumento. De um argumento que seja válido, tenha premissas verdadeiras e tenha premissas mais plausíveis que a conclusão, diremos que é cogente.O "livro do professor" que acompanha o manual de Filosofia do 11º ano adoptado na Escola onde trabalho exemplifica este conceito com 2 exemplos contrastantes bem esgalhados. Um argumento cogente:
"Se o leite estivesse estragado, teria mau cheiro; mas o leite não tem mau cheiro; logo não está estragado.
Um outro não cogente:"Se o leite está estragado, tem mau cheiro; o leite está estragado; logo, tem mau cheiro".
Ambos os argumentos são sólidos[diga lá porquê];
a diferença está em que sabemos mais directamente -- é mais plausível -- que "O leite tem mau cheiro"(premissa no 1º exemplo; conclusão, no 2º)
do que "O leite está estragado"(conclusão no 1º exemplo; premissa, no 2º).
[espero...]
as condições de um bom argumento, estudaremos a seguir alguns casos exemplares de argumentos em que se não cumprem todas as 3 condições: o tema do próximo texto serão as falácias.
escrito por ai.valhamedeus
2 comentário(s). Ler/reagir:
Ponde de lado as permissas, as conclusões detenhamo-nos no diagrama escaquético.
Os movimentos das peças são uma autêmtica e primitiva falácia.
Será que alguém já viu movimentos de peças assim?
Que o "valhame deus" me perdõe mas só Deus pode perdoar tanta ingenuidade xadresística.
Quanto à filosofia tudo bem, tudo bem argumentado e superiormente exposto.
Percebe-se que entende da poda.
O argumento "cogente" com "o" que não com "u" é que ia azedando o leite.
O comentário deste anónimo fez-me lembrar o escrito numa carteira dum anfiteatro na Faculdade de Direito (vulgo, nos Direitos)da Universidade de Coimbra, a long, long time ago:
Colega - tirando o co fica lega, tirando o lega fica co, tirando o co à colega fica a colega sem co.
Pode-se fazer um update do "cogente"
Gabriela
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