Para não esquecer...

DA INÉPCIA COMO VIRTUDE

Segue um texto de grande lucidez de Baptista-Bastos.

Para que conste e porque está lá o essencial sobre a pardacenta figura que se prepara para tornar ainda mais insuportável esta "apagada e vil tristeza".
Devo confessar, à puridade, um desejo modesto, porém ardente: gostava de que o Presidente fosse um homem culto, lido, cordial e descontraído. Não o é. E o meu recatado desgosto consiste no facto de ele desencadear, com as deficiências culturais e aleijões de carácter que demonstra, um generalizado reflexo condicionado. Os dez anos que levou de primeiro-ministro constituíram um cerco e o esmagamento das desenvolturas e das exaltações que o 25 de Abril nos tinha proporcionado. O País cedeu ao mito do político severo, austero, hirto e denso. E admitiu, como sua, a imagem brunida que ele expunha. Um chato. Mas um chato perigoso por aquilo que representa.

Nada tenho de pessoal contra o senhor. Ele pertence a uma sociedade velha e relha, que apenas assegura formas de autoritarismo. Estes cinco anos de Presidência acentuaram o infortúnio. Os debates nas televisões foram expressivos do desagrado que algumas intervenções causavam no dr. Cavaco. Trejeitos de ira, e contorções dos músculos faciais, movimento descomedido dos lábios, frases desmedidamente agressivas. A medonha panóplia de exercícios paliativos forneceu-nos a estirpe do indivíduo e a compleição do político.

O pior foi o discurso da quadra. Se o de José Sócrates representou a vacuidade total, o do dr. Cavaco fundamentou a admissão de uma era vindoura de incertezas. Apenas a reiterada advertência de que "eu bem avisei a tempo". O disperso, confuso e absurdo afastamento de responsabilidades que também lhe cabe. Depois, o caso do BPN e da Caixa Geral de Depósitos. Então, as debilidades da natureza moral do candidato emergiram de roldão. Ao acusar de incompetência a administração do banco das fraudes, trucidou alguns dos seus antigos comparsas de Governo, entre os quais o perplexo e honesto Faria de Oliveira. Procedeu como o fizera com Fernando Nogueira, Santana Lopes, Fernando Lima: serviu-se e descartou-se. Perante as acusações de tibieza que lhe foram feitas, o homem, atabalhoadamente, tentou proteger-se usando o pretexto que lhe é comum: disse que não dissera o que tinha dito e acusou os jornalistas de interpretação abusiva. Uma televisão retransmitiu a verdade dos factos e as declarações proferidas. Nem por isso o prevaricador se retractou.


Já cansa repetir que o dr. Cavaco é um incidente desgraçado na nossa história próxima recente. Metáfora de um país sem juízo, também não chega. Ele resulta de uma confusão entre a ignorância e a beatífica admissão de uma cultura de aparências. Surpreende (ou não?) haver gente de envergadura intelectual e moral a apoiar, para reeleição, uma criatura que, por incultura, inépcia e desadequação nunca encontrou a fórmula de viver e de actuar perto das questões e do coração dos portugueses.
[BAPTISTA-BASTOS in DN, 5 Janeiro 2011. sublinhados meus]

escrito por Jerónimo Costa

8 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

E quem é que o "povo" ouve, ajudado pelas televisões? A lucidez de Daptista Bastos ou a vacuidade do dr. Cavaco Silva?
Gabriela

Anónimo disse...

Bem prega frei Tomás... este BB não é o comunista das casas sociais de Lisboa??? qual o papel destes homens de esquerda "chupistas" estatais do princípio ao fim, na regeneração de Portugal? Vão atrás das benesses que não lhes pertencem, empobrecem o país... e, como diz o outro "salivam" caninamente contra os que produzem e distribuem riqueza... enfim, invejas... o sr BB e aqueles que se deliciam com estas diatribes, deviam saber, já que dizem conhecer muito bem o povo, que este não quer a cultura que apregoam, quer o pão que lhes alimenta o corpo, as casas que os protegem do frio, o trabalho que lhes permita educar a sua prol... o resto são as diatribes pseudo-intelectuais dos ressabiados do costume por não chegarem com tanta facilidade à gamela que os aburguesou a eles na exacta medida em que empobreceu o povo ao longo deste período de esplendor da liberdade que se seguiu ao 25 de Abril... tenham juízo, que a idade já aconselha...

Anónimo disse...

E este anónimo/a não é um/a anti-comunista do mais primário que há? Nem no tempo do Salazar se viam argumentos destes.
MC

Anónimo disse...

Pelo menos Frei Tomás teria alguma virtude: pregava bem! E, de boas pregações, ainda que os caminhos sejam ínvios, não se acrescenta mal bastante para exorcizar o pregador. O que o prosaico/a comentador/a pretende – num supino e duvidoso argumento, circunscrito numa falácia, é desqualificar o texto, não por lhe reconhecer deformidade ou incorrecção bastante mas por, supostamente, conhecer os defeitos e as pendências do autor. Gostava de o ter lido num texto escrito à altura do escritor – jornalista, desmontando os seus argumentos e apresentando outros de idêntico valor ou contraste mas, como tantas vezes acontece, mais vale, numa deselegante falta de honestidade, crivar o “pregador” de balas como se o mensageiro fosse o responsável pelo triste anúncio que comunica. Enquanto o essencial for o BB e não as suas ideias, estamos conversados mas, continue a praticar; um dia há-de descobrir que há uma diferença substancial entre quem escreve e o que se escreve. Parece básico, mas continua difícil de compreender, embora nunca seja tarde tentar!

Anónimo disse...

digamos que sou tão anti-comunista como você é anti-salazarista, ou anti-direitista, ou anti- outra coisa qualquer, e qual é o mal?
Isto é um simples comentário. eu não ensino lógica nem teorias do discurso.
Quis apenas mostrar o que é uma evidência que resulta da prática, a saber: Portugal está miserável porque, comunistas, socialistas, direitistas, bloquistas e restante multidão encarniçada tudo faz para não perder privilégios, sabendo que mesmo já sendo remediados, há milhares de concidadãos que também são portugueses e que por não quererem, mas fundamentalmente por não poderem, nunca deixam de ser os excluidos e os deserdados. esses sim é que nem têm ofício nem benefício e acabam por ser os únicos que veem piorar a sua situação.
Se os "instalados" de todos os quadrantes não fossem tão "desonestos" ante o bem comum, talvez a situação do país fosse outra...
tal como discursos são discursos, também os factos são factos... as opiniões discutem-se os factos são aquilo que são e nada mais se lhe pode acrescentar

Anónimo disse...

Ora, assim é que é: discursos são discursos e factos são factos! [La Palice, não teria dito melhor.]
E se as opiniões se discutem - e bem - o que o leva a não discutir sequer uma opinião que seja de BB?
Já sei, já sei, "Portugal está miserável" por causa de todos quantos enuncia.
Uma perguntinha inocente: Como não sobra ninguém (!?) quero querer que o/a anónimo/a será o/a único/a que, em princípio [ainda não escrutinamos a sua vida, nem queremos], acima de qualquer suspeita, i.é, em nada tem contribuído para a miséria em que nos encontramos. Felicito-o por isso e apareça mais vezes com mais ideias e mais fundados argumentos. Às vezes é assim que se combate a miséria.

Anónimo disse...

Para terminar deixe-me dizer-lhe
a culpa da nossa miséria é de quem nos governa... desde a extrema esquerda até ao lado mais remoto da direita. são eles que partem e repartem o que se amealha no país... o nosso povo é formidável, construiu e afirmou uma Nação improvável... Esse não merecia tantos mediocres a conduzir-nos para o abismo
essa ideia de que só PS e PSD são culpados é uma grande confusão... e as autarquias, quem manda nelas? Quem está nas centenas de organismos públicos? quem trabalha com os que nos governam, ou desgovernam? é que todos nós temos amigos de vários quadrantes e em Portugal mais do que em outros lugares, o amiguismo promove a incompetência, da esquerda à direita, passando pelo centro e pelas franjas (se calhar o senhor BB recebeu mais favores dos quadrantes políticos opostos do que dos seus camaradas). Há muita gente de extrema esquerda que faz boa vida de "braço dado" com políticos de extrema direita e vice versa... Se não sabe nada disso, não sou eu, um cidadão ignorante que lho posso explicar... basta dizer que Portugal é aquele país, onde uns e outros apelam ao voto e quando a coisa não lhes corre bem, mandam votar os seus fieis em determinados candidatos "de olhos fechados"... e é assim que infelizmente nos conservamos, de olhos fechados... ideologicamente apegados à cambada que nos empobrece.

Não interessa "pessoalizar", mas sou um cidadão normal, por acaso funcionário público contratado a termo há mais de 20 anos. sou exemplar, claro que não... tenho os meus "pecadilhos", mas comparado com as vigarices que tornam legais os nossos governantes da extrema esquerda aos reconditos da direita, sou um santo. a meu favor tenho uma vida em que nunca tive um cargo público de nomeação, um favor concedido via estado e seus satélites, nunca ter militado num sindicato, etc, etc, etc...

Anónimo disse...

Claro que não interessa "pessoalizar", a não ser que a pessoalização contribua para alguma inevitável iluminação das ideias - o que, diga-se, poderá acontecer em escandalosas falhas de carácter - sendo que, apesar das suas suspeitas, não descubro razão para nisso implicar BB.
Folgo em sabê-lo um cidadão comum, capaz de cometer erros como qualquer um de nós. O modo como comentou deu (?!) a ideia que seria alguém com tal superioridade moral que tudo à volta, se não era, depressa se tornaria repugnante.