Para não esquecer...

AVIVAR A MEMÓRIA [11] O POLÍCIA DE CAVACO

Em 1992, Cavaco Silva era chefe do governo português. E desconfiava de todos os membros desse governo -- como segredou, a 5 de junho desse ano, O Independente de Paulo Portas:

Ministros, secretários de Estado e membros dos gabinetes estão sob suspeita. Cavaco desconfia de todos. São as fugas de informação. E encarregou Paulo Teixeira Pinto de tomar medidas drásticas. A partir de agora os documentos do governo têm diversas armadilhas para apanhar «os criminosos». 
Isto e mais foi dito aos chefes de gabinete na quarta-feira. Na Gomes Teixeira. E as penas são severas. Mesmo sem haver lei do segredo de Estado (negrito meu).

Cavaco assinou o despacho de modo "seco, curto demolidor: 'Cumpra-se'". Um dos documentos que "fugiram" antecipadamente para a praça pública foi o diploma dos disponíveis da função pública. Tinha sido classificado de "muito secreto".
O «muito secreto» deve ser aplicado sempre que as informações contidas nos documentos «conduzam a situações que possam afectar as condições de defesa do País, dos seus aliados ou os altos interesses da Nação ou de nações aliadas ou de organizações de que Portugal faça parte». E prossegue [o documento de 1988, que define estes conceitos]: «Comprometerem a segurança da Nação ou de nações aliadas», além de outras coisas bem graves. 
As agendas das reuniões de secretários de Estado são classificadas pelo governo de «muito secretas». As do conselho de ministros idem. Pelos vistos, o diploma dos disponíveis da função pública, classificado de «muito secreto», punha em perigo não a segurança da Nação mas sim a surpresa de uma medida que vai pôr em casa e no desemprego milhares de pessoas [negrito meu].
Na tal quarta-feira em que a coisa foi comunicada aos chefes de gabinete, estes foram convocados para uma reunião... secreta.
Alguns desconfiaram da convocatória, mas mesmo esses ficaram perplexos com o que se passou quarta-feira na Gomes Teixeira. Um a um lá foram chegando os chefes de gabinete. Durante a semana tinham telefonado uns aos outros para tentar perceber o que se iria passar. A reunião estava marcada para as nove e meia da manhã mas, à boa maneira portuguesa, começou com uma hora de atraso.
Mas os chefes de gabinete tiveram uma pequena surpresa ainda na rua. Um repórter fotográfico de O Independente estava á espera deles. Para uma reunião secreta não estava mal.
A mesa do encontro tinha pompa, circunstância e uma surpresa. Paulo Teixeira Pinto presidia. A seu lado, Honorato Ferreira, chefe de gabinete de Cavaco Silva, Abílio Morgado, chefe de gabinete de Fernando Nogueira. E mais, estava ainda o mentor das policias de segurança portuguesas, general Pedro Cardoso, do Conselho Superior de Informações. E também dois assessores daquele organismo.
Era a primeira vez que se realizava uma reunião de chefes de gabinete. Os assessores de imprensa tiveram mais sorte. Durante uns tempos lá iam à sexta-feira encontrar-se com Marques Mendes e os assessores de Cavaco. Na hora que estiveram a secar, aproveitaram para conhecerem ao vivo as vozes com que regularmente falam ao telefone.
E começou a importante e secreta reunião. O primeiro a falar foi Paulo Teixeira Pinto. Começou com ironia. «A prova da importância desta reunião está lá fora. Apesar de ser secreta, um repórter fotográfico de um jornal pediu para entrar e fazer imagem». Depois da ironia o primeiro aviso: «É necessário assegurar a maior confidencialidade desta reunião».
E o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros prosseguiu a sua intervenção num tom que alguns dos presentes não hesitaram em classificar a O Independente de «bastante professoral, mesmo doutoral, e vagamente intimidatória».
Para Paulo Teixeira Pinto «não existem fugas de informação. O que existe é deslealdade -- moral e política. É preciso parar com as quebras de segurança e as deslealdades».
Depois da doutrina as normas de segurança, que foram feitas com a colaboração do general Pedro Cardoso. A partir de agora, os chefes de gabinete são coordenadores e responsáveis pela segurança. Isto quer dizer que têm a árdua tarefa de seleccionar as pessoas, de diversas categorias e carreiras, como adjuntos, assessores, secretárias, dactilógrafas, mulheres da limpeza e contínuos, para não falar nos motoristas, que poderão ter acesso a documentos classificados.
Tudo vigiado
E Paulo Teixeira Pinto deu uma prenda aos atónitos chefes de gabinete. É que inicialmente o Governo ainda pensou no preenchimento de um inquérito individual sobre cada um destes funcionários, que deveria incluir as viagens feitas ao estrangeiro nos últimos dez anos, com quem vive, antecedentes pessoais e outras coisas mais que se podem imaginar. Mas não. Depois de pensarem melhor, os responsáveis pela segurança dos documentos do governo substituíram isso tudo por um compromisso de honra a propósito da confidencialidade dos mesmos. Ou seja, quem mexer nas agendas dos secretários de Estado e do conselho de ministros, nem que seja para a transportar de um gabinete para outro, tem que estar devidamente credenciado.
Mas há mais. Muito mais. A partir de agora a circulação da agenda do conselho de ministros e respectivos diplomas vai ser feita de uma nova forma que aumenta a possibilidade de se detectar o local e, naturalmente, o autor da eventual fuga de informação, ou deslealdade, como diz Paulo Teixeira Pinto. A partir de agora cada agenda terá a sua própria cifra de modo a que com a simples visualização da cópia utilizada seja possível identificar quem a transviou. Explicando melhor, se um jornal publicar um fac-simile de uma agenda ou de um diploma do governo, Paulo Teixeira Pinto e os seus homens das fugas podem de imediato descobrir o «criminoso».
Mas como se isso não bastasse, a numeração será diferente todas as semanas e a chave só é conhecida dos responsáveis da dita segurança. E quanto aos diplomas, o esquema anunciado aos perplexos chefes de gabinete é um autêntico quebra-cabeças. Não haverá dois exemplares iguais. Cada membro do governo receberá uma cópia que será única. O mesmo diploma terá, assim, quinze versões. As modificações serão de pormenor, de forma ou de paginação, de modo a descobrir-se facilmente o ministro culpado pela fuga de informação. E se o membro do governo se desculpar com o chefe de gabinete, este pode culpabilizar o adjunto ou assessor e assim por diante até se chegar aos operadores de reprografia e aos contínuos. Neste caso, como não há mais ninguém para investigar, a fuga é atribuída ao contínuo.
No final da intervenção de Paulo Teixeira Pinto alguns chefes de gabinete só não riram por receio. Outros estavam mesmo preocupados. Além do mais, aquilo tudo significava mais burocracia.
General alivia
O ambiente era pesado. Mas o general Pedro Cardoso aliviou a tensão. Afinal, disse o homem das informações, havia coisas mais graves, como documentos militares e da NATO. Esses, sim, prosseguiu o general, eram motivo de grande preocupação dos serviços de segurança.
Passou-se ao período de perguntas. Houve quatro. Mas só uma atrapalhou a mesa e Paulo Teixeira Pinto. Foi feita por Susana Toscano, chefe de gabinete de Manuela Ferreira Leite, secretária de Estado do Orçamento. «E quando temos que enviar os documentos aos serviços, como direcções-gerais e outros departamentos, como é? Não mandamos? Quem é que pode analisar e trabalhar os documentos secretos? Só pessoas credenciadas?».
Os homens da segurança e defesa do Estado ficaram calados. Não tinham pensado nisso. Para eles o que interessava era apanhar os infiéis que estão infiltrados nos gabinetes do governo e passam informações para os jornais.
Quarenta e cinco minutos depois de ter começado, Paulo Teixeira Pinto dava a reunião por terminada, não sem antes recordar a todos que tinha sido um encontro secreto e que «não a queria ver contada nos jornais de fim-de-semana». E como a reunião era secreta, o repórter fotográfico de O Independente foi impedido pela polícia de registar a saída dos chefes de gabinete da Gomes Teixeira.
O Independente tentou falar com o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros ontem à tarde. Em vão. Uma vez estava a falar no telefone branco, da outra estava reunido com uns ministros. Ficou de ligar para o jornal. Não ligou. Talvez por  razões de segurança. (negritos meus, à exceção dos subtítulos)

escrito por ai.valhamedeus

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Bem esgalhado!

Foi nesta onda que o beato falso conheceu o abrunhosa, de quem se veio a tornar grande amigo (uns anos mais tarde comprou-lhe silêncios com campanhas publicitárias do bcp).

Vejam a gabriela!