A quinhentos metros da Igreja da minha aldeia, e a Norte, vivia o Tio Pintassilgo. O tio Pintassilgo não tinha mulher nem companheira. Era um homem discreto, solitário, mas bem-humorado. Descia da sua casa e vinha comprar pão à aldeia, à minha casa. Relativamente baixo, sorridente. Acho que era a única vez que descia da sua casa. Casa que ficava no cimo de um cerro e que permitia uma das vistas espetaculares sobre a Ria Formosa. Não me lembro de o ver em funerais ou festas. Provavelmente iria, mas não me lembro. Não era homem de copos, nem de convívios. Lamentava-se amargamente, mas bem-disposto, da sua situação e soltava, com frequência, um queixume: “nunca mais caio numa destas, não senhor”. “Mas o que se passa, Ti Pintechilgo?”. “Nunca mais caio nesta de ficar solteiro”.
O Tio Pintassilgo tinha razão. Uma altura, o irmão que vivia a poucos metros deixou de ver o irmão, há uns dias. Chamaram o Regedor, o meu amigo José dos Santos Cavaco Júnior, deveria ser no ano de 1973. Ao se aproximarem de casa, a desconfiança era muita. Arrombada a porta, o Tio Pintassilgo jazia, sem vida, estendido no chão. Pelo cheiro, há vários dias. Tinha razão o Ti Pintassilgo, se não vivesse sozinho, provavelmente teria uma mão amiga que o socorresse. Consta que “nunca mais caiu numa destas”. Nem noutra.
escrito por Carlos M. E. Lopes
MEMÓRIAS SOLTAS * IV. tio Pintassilgo
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentário(s). Ler/reagir:
Enviar um comentário