As pessoas no meio rural, onde eu vivi, vestiam de escuro. As cores não eram usadas. As mulheres, no campo, andavam de preto, ou porque lhes tinham morrido os pais, irmãos ou porque eram viúvas. Não me lembro de cores garridas. Diz o Jacinto Palma Dias que, no campo, era usual as mulheres usarem chapéu para que, ao longe, supusessem que era um homem, homem que não existia em casa, pois havia emigrado.
Havia, no Vale da Palma, Santo Estêvão, uma mulher que fugia ao habitual. Chamava-se Idalina e tinha a alcunha de Bêbeda. A Idalina era uma mulher alegre, vestia-se com cores garridas, pintava os lábios de forma excessiva e parecia tomar banho de perfume. Certamente Tábuas do Oriente. Ostentava pulseiras, anéis, colares e brincos. Parecia uma espanhola. Parece que bebia em excesso, por isso a alcunha.
A Idalina convidava-me muitas vezes, a mim e ao Humberto Arcanjo, para irmos a sua casa. Diga-se que em Santo Estêvão não é normal alguém ir a casa do vizinho ou amigo. Não. Eu terei almoçado duas ou três vezes na casa do meu tio Joaquim (que vivia a 40 metros da minha casa). Quanto a outras casas, nem pensar. Na serra as pessoas são mais hospitaleiras e frequentam as casas uns dos outros. No barrocal nunca vi.
A Idalina era pois uma pessoa insólita. Convidava para ir a casa dela e dava-nos, a mim e ao Humberto, fartos lanches. Sempre com grandes gargalhadas e manifestações de felicidade. A Idalina era um contraste bom. A Idalina tinha um cão. Cão pequeno, peludo, que saltava para o meu colo e do Humberto, bastava batermos nas pernas. O cão tinha coleira, um guiso e cheirava, e muito, ao perfume da dona. A Idalina não tinha filhos e dedicava-se a nós com profundo afeto. Notava-se. O marido, acho que trabalhava no campo. Era um homem calmo, discreto.
As tardes e os lanches na Idalina enchiam-nos de alegria e tranquilidade.
Encontrei a Idalina muito mais tarde, teria eu quase vinte anos.
Ah, não me lembro de a ter visto bêbeda.
escrito por Carlos M. E. Lopes
MEMÓRIAS SOLTAS * X. A Idalina Bêbeda
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