Para não esquecer...

ANALFABETO

Eu ia a sair de casa, com os livros debaixo do braço, quando tropecei numa mosca poisada no poial da porta e comer um pastel de nata. A mosca era minha conhecida há dias, era a Lúcia, provavelmente estava já entradote na idade. Nem se mexeu, tinha perdido a sensibilidade depois de ter sido atacada pelo Covid19. Caí, claro, espalhando pelo chão os livros que levava, bem apertados junto ao peito numa pasta, daquelas sem fecho e com o Infante D. Henrique na capa.

Saltei para cima do sapo que me esperava à porta. Após três saltos, fui projetado das costas do batráquio e quase ia partindo as costelas no chão. Eu não tinha posto o cinto de segurança. Aselhice minha. É por estas e por outras que há tantos acidentes com estes transportes.

Fui a pé para a escola. Antes de atravessar a rua passa por mim, veloz, a tartaruga Miquela. “Aonde vais tão depressa?” “Vou a casa do Alfredo, disseram-me que tem um charco muito bonito no seu quintal, da chuva que caiu ontem à noite. Vou dar um mergulho”. As tartarugas, com menos de vinte anos, não vão à escola, como vivem muitos anos, só entram na escola nessa idade.

Lá fui eu para a Escola. Ao chegar, vi as janelas encerradas. Um corvo, que por ali estava, informou-me: “Hoje não há escola, a professora está doente”, crocitou e fez um sorriso suspeito.

No outro dia, fui repreendido por ter faltado à escola. Expliquei que tinha as janelas fechadas e que o Corvo me tinha dito que não havia escola pois a Srª Profª estava doente.

“Qual quê?! Foste enrolado pelo corvo, o Analfabeto? Como sabes, ele é muito inteligente e não quer que os outros aprendam para não serem mais espertos do que ele. As janelas estavam fechadas porque a Profª Adriana ia passar um filme de animação e era necessário não haver luz para melhor se verem as imagens”.

Fiquei com tanta raiva do corvo que nunca mais lhe falei e, sempre que o ouvia a falar, sempre o combatia e denunciava “não acreditem no corvo, é mentiroso e invejoso”.

Nisto, uma voz bateu-me nos ouvidos e eu…acordei.

-- Carlos Manuel, acorda, são horas de ires para a escola. -- E logo naquele momento em que me preparava para dar uma sova no Analfabeto.

escrito por Carlos M. E. Lopes



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