O ano de 1975 foi, provavelmente, o ano mais rico, em termos políticos, que tivemos em Portugal. O famoso PREC, que vai de 11 de março a 25 de novembro de 1975, foi um período louco, esfuziante, alegre, em termos políticos. Tudo era possível. O “sejamos realistas, exijamos o impossível” veio tarde, mas em força. Havia um corrupio de gente de fora para “cheirar” a revolução portuguesa. Lembro-me de dois polícias italianos, do PCI, virem mais de uma vez passar o 25 de abril a Portugal. Lembro-me de uns franceses, nossos camaradas, que passaram pela minha casa com o Emanuel Nunes, mais tarde secretário de Estado do Sócrates, ter vindo com eles a Santo Estêvão.
Mas andava eu por Lisboa e ia comer, como era óbvio, à cantina velha. Entre aulas (poucas) e RGAs estas ganhavam em número de horas lá passadas. Em medicina no Campo de Santana, em anfiteatros no Hospital de Santa Maria, na Faculdade de Direito e na Faculdade de Letras, eu corria todas.
Na faculdade de letras pontuava o Prof. Lindley Cintra, um homem sabedor que, na altura, viveria com Isabel Hub Faria, também ela professora. Lindley Cintra citava a revolução cultural, Mao Tsé-Tung e sei lá que mais. Há quem diga que se tinha passado por causa do seu amor.
Na Faculdade de Direito Durão Barroso punha em respeito o PCP. No anfiteatro 1, saltava para cima da mesa e arengava às massas. O meu antigo colega do Liceu de Faro, o António Cluny, não tinha margem de manobra. Foi ali, na Faculdade de Direito, que mais incidentes conheci numa AG. “Ponto de Ordem à Mesa”, “Moção”, “Resolução”. Eu sei lá... Incidentes, manobras dilatórias, formas de boicotar a reunião, discutir o acessório para impedir a discussão do essencial. Um mundo e uma escola.
Entretanto surgiram os anarquistas. Na cantina nova, na avenida das Forças Armadas, apareceu uma frase. Constava que Álvaro Cunhal tinha sido torturado na prisão e que lhe tinham esmagado os testículos, tendo ficado sem eles. Vai daí os anarquistas escreveram “Cunhal, na aula de educação sexual, apanhou falta de material” (longe estava ainda o Nuno Melo). A UEC, zelosa e intransigente na defesa do seu património e dirigente, apagou com tinta preta a palavra "Cunhal". Os anarquistas escreveram então “por favor não encostar o cu à parede”.
Na altura, havia um soldado que estava preso, julgo que no âmbito das manifestações e recusas em embarcar para as colónias. Era o Etelvino de Jesus, militante (ao que julgo) do MRPP. Havia então uma palavra de ordem pintada por todo o país “Libertação imediata para o soldado Etelvino de Jesus”. Os anarquistas que, em novembro, começaram a organizar uma manifestação para janeiro ou fevereiro, distribuíram profusamente panfletos na Cantina Velha com a seguinte palavra de ordem “libertação imediata da sardinha em lata”.
Tempos loucos, esses.
escrito por Carlos M. E. Lopes
0 comentário(s). Ler/reagir:
Enviar um comentário